A Garganta da Serpente
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Alforria póstuma

(Jô Oliveira)

Ao descobrir as incontáveis traições, uma após outra, sem cuidado, lealdade ou pudor, ela tomou uma decisão: pôs todas as recordações do amor - com as bobagens, tolices e pieguices em anexo - que vivera sozinha, chamou um táxi e deu ao motorista o endereço do cemitério mais próximo. Em um ponto qualquer, entre uma sepultura e outra, cava com as próprias mãos a cova rasa, embora mais funda do que merecia, pensa. Deposita a caixa na cova. Suspira. Cobre-a. Na lápide improvisada com madeira e carvão, o epitáfio sofrido: aqui jaz um amor que jamais existiu. Deposita as rosas vermelhas sobre o jazigo, levanta-se, lança um sorriso perturbado acompanhado de um olhar perdido e começa a se dirigir ao portão principal. Pára, entretanto. Volta-se segurando as saias. Dá alguns passos em direção à cova e cospe sobre ela. Gargalha. Era, enfim, sua carta de alforria.

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