Onze e trinta e três, insiste o relógio em marcar a antiga hora,
ancestral. Alice estava parada, mais pra estatelada, o ponteiro dos minutos
do relógio regia seus movimentos lentamente. O corpo encostado na parede
arranhada de cal, fios de cabelo grudados na massa branca... Um estranho desenho
se formava ao redor da cabeça de Alice: auréola rupestre. A sola
do pé esquerdo ora encostava no chão sujo e também ancestral
das muitas pegadas humanas que persistiam em habitar o sujo solo daquele bar,
ora encostava no branco da parede. Alice parada.
Suas mãos finas de menina enganavam a todos sobre a mulher que jazia
naquele corpo longo, dorso equino. Suas mãos enganavam a todos que
a miravam nesta noite, escondiam um segredo! Por dentro dos dedos, da palma
da mão e porque não, do seu corpo equino inteiro (lembrem
do dorso), corria um sangue grosso que se arrastava por suas veias, dilatando-as
prazerosamente. O parado de Alice segurava uma explosão. Ela contida.
A mão fina direita estava ali, apoiada na mesa tabaco como que buscando
dar uma nova coloração a sua pele pálida e oca... Fusão
de cores para uma futura profusão de corpos. Ela e Otávio. Onde
estará ele?
Nesse roçar constante entre seus dedos e mesa ela queria arraigar-se
a algo, prender-se. Alice diminuía na multidão tola e boêmia
do bar (sim, para ela eram todos tolos e boêmios, ela não, ela
apenas esperava), cravava fortemente seus dedos na mesa, o corpo pregado na
cal arranhada... A fusão agora seria com os objetos, matéria.
Diminuía às vezes também junto a Otávio, agarrava-o
o forte:
- Alice, você está me apertando - a voz grossa e arranhada dele
parava Alice. Ela parava. Otávio não entendia de apertos, não
queria entender que este aperto era para estar junto dele, uma tentativa de
fundição. Nestes raros momentos Alice o soltava e se perdia no
ar, esquecia-se do sexo, do amor e de si.
Neste aperto solitário entre mãos e mesa tabaco, Alice esperaria
toda uma noite na companhia nublada da fumaça e do amarelo da cerveja.
Esperaria este tal Otávio que jamais voltaria para os braços fortes
desta tal Alice.
- Alice, você está me apertando - lembrou-se ela novamente deste
dizer comum, quase que típico de namoradinhos íntimos. Lembrou-se
na tentativa de acreditar que aquilo que havia tido com este homem de nome Otávio
fora ao menos uma vez amor... Daquele amor que aperta, entende? (Entende, porra?
Diria papai, no seu falso clamor por um amor ardente).
Três e trinta e três da madrugada. O aperto vinha do coração
que marcava secamente (quase sem sangue) o tempo e uma estranha angústia
que nascia do fundo da garganta. Onde está o filho da puta do Otávio,
perguntaria Alice já num gesto de puta, já num gesto de quem chora
junto a um copo. Puta e choro, outra fundição.
Alice derretia, o copo recebia.
Oh santo copo, cais de lágrimas alheias, conforta esta tal de Alice,
bebe de suas lágrimas, faça dela mulher amada.
Oh santo copo, eis um único pedido deste que escreve este "pequeno
conto": bebe a mulher-alice.
E foda-se Otávio, ou foda-se Alice. Ou será melhor desejar que
a foda venha a ela, a nós e a vós?
Oh santa Alice, faça-te puta-mulher.
Não deu, os pedidos insolentes deste que escreve este "pequeno
conto" também derreteram. Outra fundição: Alice e
eu.
A noite terminou com Alice beijando a mesa tabaco e Otávio adormecido
no escuro coração desta mulher.
E eu termino aqui fundido, quase que fudido.