No silêncio de seu quarto, ela escrevia furiosamente. Era a única
atividade que lhe dava prazer, uma vez que fora rejeitada pela sociedade que
teimava em não reconhecer seu talento de escritora.
Amigos, não os tinha, e os que afirmavam sê-lo, o faziam por conveniência
ou oportunismo; no entanto, ela não desistia de escrever, seus dedos
calejados eram atraídos pela caneta que a seduzia, como um beija-flor
é seduzido pelo néctar da formosa flor.
Sempre quisera ter filhos, mas a natureza lhe privara deste privilégio;
em certos momentos de solidão, julgava que era melhor assim, pois acreditava
que filhos traziam aborrecimentos e dissabores.
Sonhava ser uma grande escritora, admirada e reconhecida nos círculos
literários. Escrever lhe fazia relembrar da imigração da
sua família para o Brasil. Tempos difíceis aqueles, tempos turbulentos.
Hoje, nada mais possuía, além da tradição do nome
d a família; tradição que não lhe trazia o reconhecimento
esperado junto à sociedade.
Viu surgir sua grande oportunidade quando foi convidada, pelo diretor da revista
Entricas & Futricas, a escrever uma coluna sobre personalidades famosas.
Seu entusiasmo era visível com sua nova função; imaginava-se
sendo laureada na academia de letras, ouvindo o burburinho de repórteres,
implorando por uma entrevista.
Mas as coisas não saíram como era esperado, o número de
leitores e comentários da sua coluna caía vertiginosamente. A
direção da revista não teve alternativa, senão rescindir
o contrato, pois apesar do talento para as investigações jornalísticas,
ela fazia a cobertura do cotidiano de pessoas tão ou mais desconhecidas
do que ela; evidentemente para a revista não interessava a vida de desconhecidos.
Tentou sem sucesso todos os argumentos que julgavam válidos, porém,
o diretor fora inflexível. Via desabar diante d e seus olhos o castelo
de sonhos que erguera para si; sentiu um nó na garganta ao receber o
veredicto fatal, a única ocasião em que sentira tamanha angústia
fora numa solenidade literária, ao engasgar com um gole de água
que bebera às pressas.
Passou dias desolada, lamentava a injustiça que sofria; a única
que parecia compreendê-la era sua inseparável caneta. Agora escrevia
como um autômato, descarregava toda a sua frustração nos
escritos. Seus pensamentos não tinham unidade ou valor que levassem as
pessoas a refletir sobre um modo de vida salutar, mas o que importava é
que, escrevendo, sentia-se melhor.
Tomou uma decisão que avaliou lhe traria o reconhecimento que tanto
buscava. Sabia que no mundo das letras havia o plágio; soubera inclusive
do autor americano que fora laureado com o Nobel de literatura plagiando um
escritor de outro país. Ela faria o mesmo, arrazoava consigo mesma que
os fins justificam os meios. Quando se depar ava com um texto que lhe agradava,
ela o modificava ligeiramente, afirmando depois ser o mesmo de sua autoria.
Para maior credibilidade, lançou uma campanha contra o plágio,
defendendo os direitos autorais.
Sua obstinação de ser reconhecida levava-a ao ridículo,
pois abordava pessoas desconhecidas na rua, propondo amizade, o que não
raro produzia uma frase indignada do abordado: "Vem cá, eu te conheço?".
Ela não se importava com estas situações vexatórias,
lembrava-se de seus únicos ídolos, Hitler, Mussolini, Lampião
e Idi-Amin Dada, que sempre souberam vencer preconceitos e dificuldades, tornando-se
heróis para alguns e vilões para muitos.
Olhando-se no espelho, via as rugas a sulcar-lhe o rosto, o tempo fora implacável
com ela. Lançando um olhar para a penteadeira, via as poucas fotos que
retratavam sua vida; não havia semelhanças entre elas, de forma
que se outra pessoa as visse, juraria que estava diante de um camaleão.
Sua atenção volta-se novamente para o espelho, cuja imagem parece
lhe transmitir terrível acusação: "Você é
uma fracassada". Ela sente uma vertigem, apoia-se ligeiramente na
penteadeira; ao lado, sua velha e fiel companheira parece convidá-la
para escrever o último ato de sua existência.
Trêmulos, seus dedos agarram fortemente a caneta, que com a força
empregada, se rompe, deixando um borrão de tinta na folha que um dia
fora branca.