A Garganta da Serpente
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O Encontro

(Karla Hack dos Santos)

Marcamos um encontro, após quase três anos de insinuações e questões mal resolvidas. Não era nenhuma data especial, nem mesmo verão, fui ao litoral. Queria respostas, que talvez calassem mais fortes que o silêncio. Não ligava.

Comprei um vestido vermelho, pelo simples fato de sentir-me segura com esta cor, ajeitei os cabelos, dei os últimos retoques na aparência. Saí apressada, o táxi já estava na porta do hotel.

Após algum tempo de uma conversa polida com o motorista, desci em uma praça repleta de cores e aguardei sua chegada. Uma palpitação suave remodelou meu corpo, que estremeceu antes mesmo do toque quente de sua pele.

Sorrimos. Cumprimentos saudosos. Olhares aflitos. A princípio elogios vagos e histórias rotineiras. Uma conversa tão despretensiosa que meu ser percebeu o dia acinzentar-se e as cores esvaírem-se daquele lugar. As respostas não surgiam. As perguntas vetadas. Tomei coragem, sempre fui a que tive iniciativa, soltei sem rodeios:

- Mas então, você me convida para vir até aqui, sabendo o que sinto, fala e fala sobre coisas sem importância e não chega ao ponto que bem no fundo ambos queremos esclarecer: O que rola entre nós? O que você sente por mim? O que você quer comigo?

- Direta você, hein?

- Neste clima de franqueza, antes que você me responda, peço para que seja o mais objetivo possível. Nada de embolações. Sei que você se importa comigo, que não pretende magoar-me, etc., etc. A dúvida tortura minha alma mais do que uma certeza negativa. Então fale, sem medo.

- Eu gosto de você. Gosto do seu jeito, da forma como é capaz de acrescentar tanto a outrem. E, depois de sua carta, minha cabeça demorou a entender o que o coração já conhecia de cor. Você é pessoa para mim.

- Você me quer?

- Quero e não quero. Temo que a distância física não permita que nossa história se concretiza em algo maior. Receio que se tivermos nossa noite, talvez única, a amizade suma. O sexo atrapalha estas coisas. Eu posso apaixonar-me por você. Só não sei se devo.

Sem pensar, beijei-o. Um ato involuntário que resultou numa sequência de outros atos. O amor meu é grande demais para racionalizar. Ele me empurra, fita meu rosto e num gesto suave diz:

- Eu não sei o que devi fazer. Há tanto o que perder, tanto o que ganhar.

- Segue seu íntimo. Arrisque. Já ousei tanto por você. Ouse por mim.

Foi no chão do apartamento, depois na cama, que se acalmou a urgência. Um alívio pela carícia tanto esperada. Uma aflição pelo que viria a seguir. Em silêncio memorizávamos cada detalhe. Poderia ser esta a nossa única noite unidos.

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