A Garganta da Serpente

klaus_

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Anonimamente

(klaus_)

Dava-se o crepúsculo. Como era de costume eu estava só em meu pequeno e escuro apartamento, iluminado apenas pela chama de velas negras e já derretidas, espalhadas pelos aposentos. A sala onde me encontrava era espaçosa, com uma bela decoração de cores sóbrias. O vento que batia nas janelas de vidro me fazia passar frio, mas eu já não me importava. Até achava normal.

Mas uma coisa em incomodava: minha imaginação trazia à tona imagens de um mundo simples, limpo, com campos verdes e pessoas alegres. Mas o que meus olhos viam era justamente o contrário: monstros de concreto, construções inacabadas, corroídas pelo tempo e pelo homem; seres decadentes, degredados de um antigo mundo, circulavam por entre as ruas sujas, respiravam o ar denso e poluído.

Minha mente divagava tentando não acreditar no que via, naquelas paisagens infernais, retratos da natureza humana. Fechava os olhos, murmurava antigas canções, tudo a fim de evitar aquela loucura doentia que caia sobre a cidade. Até o momento em que... não!

Vestido em negro, levantei da poltrona em direção à porta. A realidade pesava em meu peito.

As ruas pareciam mais imundas do que nunca. O caminho que percorria esboçava a demência em que aquela cidade se encontrava. A melancolia e o desespero estavam presentes em todos os rostos e cantos para os quais eu olhava. Gritos de horror e morte pairavam no ar. A população, ratos de um esgoto desconhecido, com suas mentes e ideias iguais à sua origem, completavam aquela cena de depressão: vivendo como animais, dormiam embriagados em um lugar qualquer que encontrassem.

Conforme eu caminhava aumentava minha loucura. A visão sufocante daquela realidade frágil e covarde me fazia caminhar se rumo, como que guiado por meu próprio desespero, ou pior... como que guiado pela mesma sombra repugnante que tomava toda a cidade.

Em dado instante deparei-me com o ápice de toda a podridão existente naquela cidade. Dirigi-me até a maior e mais decadente construção de toda a cidade: um prédio alto, cheio de janelas agora já quebradas, garrafas vazias na calçada, antenas desmontadas e cartazes de propaganda comercial no topo.

Ao chegar lá percebi o quão longe a destruição humana poderia chegar. Adentrei aquele local, hoje habitado apenas pela sujeira e ossadas de pequenos animais, um dia famintos. Cada andar mostrava-me um retrato cada vez mais próximo do pior inferno imaginado.

No último andar o horror era completo. As ossadas eram numerosas e maiores que as de alguns andares abaixo. O odor sepulcral e as paredes gastas pelo tempo faziam da cena reprodução fiel da desgraça.

Continue caminhando até chegar ao telhado. Minha psique me atormentava a ponto de tomar-me meu resto de consciência. Egos, superegos, id... diversas personalidades... eu, tu, eles... NÓS!

À minha frente encontrei a figura de um homem velho, também dominado pelas cidade. Aproximei-me lentamente dele, com medo de afastá-lo ainda mais da "realidade" em que se encontrava, e perguntei:

- Quem és tu e o que fazes aqui, em meio ao nada?

O velho fitou-me vagarosamente e parou a me olhar diretamente nos olhos:

- Sou você, amanhã. Estou aqui para que vejas do que eles são capazes.

Virei-me então e caminhei até o parapeito do telhado em frente ao velho. Subi nele. Daquela posição pude observar a imagem mais bela: a depredação total; uma visão geral de uma cidadela de sangue. Mesmo estando completamente destruída sua imagem foi a mais bela que pude ver antes de meu voo final.

Chovia forte. O que antes era apenas uma suave garoa de inverno tornara-se agora uma forte tempestade. Lancei-me ao vento. Quando a tormenta cinza cobriu toda a cidade, meu corpo já repousava no asfalto escuro.

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