- Professora, hoje tem júri daquele rapaz que matou a moça da
minha cidade, podemos assistir?
Assim começou a história de minha quinta feira à tarde,
primeiro em sala de aula, depois, no salão do Júri, no Fórum.
Uma triste figura estava sentada no banco dos réus, ao lado de seu advogado,
enquanto a Promotoria apresentava os resultados de sua investigação,
estudos e autos do processo.
Nós, umas dezesseis pessoas, entramos silenciosamente, sentamos e passamos
a ouvir e observar os acontecimentos.
Chamava atenção a palidez e singeleza daquele moço sentado,
parado ali, de forma tão quieta, e tão intensa ao mesmo tempo,
com um olhar que parecia distante, mas que também observava furtivamente
todo aquele ambiente. Olhava mais para o chão do que para qualquer outro
lugar. Talvez procurasse um buraco, uma saída qualquer que lhe levasse
para longe deste mundo, um mundo que ele, ainda jovem, em seus vinte anos de
idade, não aprendeu a compreender e não conseguiu captar a lógica
dos acontecimentos, ainda não descobrira seu verdadeiro papel de cidadão
livre numa sociedade democrática.
Então eu pensei, talvez lhe parecesse certo, naquele momento, descarregar
sua raiva, seu ciúme e sentimento de posse, numa briga, numa facada,
ou duas, num chute ou dois, quem sabe? Pode até nem ter pensado em assassinato,
mas numa lição, demonstrar a supremacia do macho sobre uma determinada
fêmea.... Porém, na hora da raiva não se consegue medir
nada, nem registrar com perfeição detalhes de ações
pessoais. Talvez agora, sentado ali, num banco de réus, olhando para
o nada, estivesse repensando o que fez e começando seu aprendizado de
vida. Quem sabe agora, ouvindo a Promotora falar sobre seus feitos, a responsabilidade
nas consequências de seus atos, quem sabe, agora ele refletia sobre
o que é ser homem, como se dão os relacionamentos, o que é
certo e o que é errado na vida. Talvez....
Era um menino, eu vi, eu olhava para ele, um jovenzinho bonito, no alto da saída
de sua adolescência, alguém em quem eu confiaria plenamente, caso
encontrasse numa rua qualquer da cidade, num mercado, numa sala de aula....um
jovem menino, mas que, no decorrer dos acontecimentos, ouvi já matara
mais alguém e, o que é pior, nem conhecia a pessoa, apenas pensou
em conseguir facilmente trezentos reais. Um menino com uma vida perdida! Senti
uma ponta de piedade, daquele rosto quase imberbe, daquela magreza daquele corpo
em formação, daqueles olhos vagando perdidos, daquela criança
sentada ali, me enganando com sua inocência perdida na ponta de uma faca.
O motivo do assassinato, uma mulher. Jovem também, corpo esbelto, botas
de cano alto, até os joelhos, calça apertada, blusinha apertada,
cabelos longuíssimos e, ao que parecia, "na chapinha"; nem
tão bonita, mas bem "enfeitada", bem preparada para virar cabeças
e promover até....matança. Mas isso não vem ao caso, se
é ou não é? Não sei! Ao que parece, foi pega na
cama com o amigo do então seu marido e agora assassino. Antigamente deste
tipo de assassinato livrava-se fácil, com a tal da "lavagem da honra"
pelo homem. Hoje? Cada qual tem seus direitos e seus deveres numa república
democrática você é livre, mas você é responsável
pelo que faz, ou pelo menos deve ser, seja homem ou seja mulher! Ela, o pivô,
estava ali, sentada, ouvindo, observando tudo. Não consigo imaginar o
que se passava em sua cabeça. Na verdade, eu nem pensava nela, pensava
nele, eu olhava para ele, era de doer o coração, eu olhava mais
uma vez, meu objetivo era fixar bem uma imagem bonita, bem arrumadinha, carinha
de anjo, alguém em quem eu confiaria.... eu olhava bem para ele e pensava
no mundo que estamos construindo para nossos netos. No mundo que tem que "engaiolar"
os seus jovens, quem não tiveram chances, quem ainda não aprendeu
a exercer sua cidadania com dignidade. E, afinal, concordo que tem que cobrar
responsabilidades. Tirar uma vida? Nunca! Nada justifica! Mas o triste é
que nessas "gaiolas" não há espaço para os ensinamentos
necessários. É um lugar de aprendizados perigosos e é para
lá que este menino vai e é lá que ele se tornará
um homem e um dia voltará a conviver conosco. Que tipo de homem?
Deus meu! Parei de pensar, estava na hora de voltar, outras aulas me esperavam.
Mas olhei mais uma vez para ele, olhei bem para nunca me esquecer de que anjo
também mata!