A Garganta da Serpente
  • aumentar a fonte
  • diminuir a fonte
  • versão para impressão
  • recomende esta página

Artificial Natureza

(Luiz Carlos Sá)

Verão de quarenta graus na Cidade Maravilhosa. Como sempre, praia cheia, corpos bronzeados e muito bem cuidados. Cada detalhe bem trabalhado para ser exibido na vitrine do calçadão.

Os dois amigos ocupavam sempre a mesma mesa naquele bar da orla. Admiravam os corpos esbelto, protegidos por minúsculos pedaços de pano, quando surgiu uma forma perfeita caminhando na direção do bar, chamando a atenção de todos por onde pisava. Cabelos cor de ouro, que causavam inveja aos raios do sol, sua pele trazia o bronze que nem Salomão conseguiu para ornar as colunas de seu templo. O corpo com certeza serviu de molde para quem fez a Vênus. O calor ficou mais acentuado e o verão tornou-se mais verão com a presença daquele corpo que desfilava entre a praia e o calçadão.

Os amigos engoliam o chope como o enfartado o remédio para o coração, e foi entre um copo e outro que um deles chamou a atenção para o par de seios daquele corpo. Comentou que aquilo não era natural. Somente poderia ser de silicone; esculpido em alguma mesa de cirurgia, por sinal muito bem feito, uma verdadeira obra de arte.

O outro riu e falou que o parceiro nada entendia de mulher. Achando que o outro queria diminuí-lo, ele quis saber por que ele achava que aqueles seios eram naturais.

- Ora; respondeu seu interlocutor; qual mulher esclarecida, nos dias de hoje, usaria este artifício, sabedora dos vários perigos que esse tipo de prótese pode acarretar. Todos os dias os jornais noticiam acidentes que ocorrem com os silicones implantados nos seios; casos de pessoas que ficaram cegas, sobre cadeira de rodas, que tiveram parte de seu corpo paralisado; atrofias nas partes genitais ou que perderam totalmente a sensibilidade para alcançar o orgasmo.

Fez uma pausa para pedir ao garçom mais dois chopes e uma porção de tira-gosto. Assim que foi municiado, voltou a discursar.

- Pois vou lhe contar que tudo isso que estou falando não é de ouvir falar. Me baseio nos fatos que acompanhei pela imprensa e o marido da prima da irmã do cunhado de meu irmão é médico, que nos relatou diversos casos, inclusive o que aconteceu com a irmã de um amigo seu: uma dessas bolsas tinha um micro furo e o líquido foi vazando e penetrando em sua corrente sanguínea, acarretando sua perda de visão e afetou sua fala. Hoje, ela não só está arrependida, o que é mais que normal, como acha que não valeu o preço para estar bonita como as mulheres da televisão e esses modelos que vivem aparecendo nas revistas.

O amigo ouvia tudo atentamente, olhando para os olhos do outro.

- Pelo que vejo você é contra o uso do silicone.

- Claro! Respondeu amigo.

- O que você me diz das milhares de mulheres que, por terem seios pequenos em relação ao corpo que possuem, fazem horas de análise, gastando rios de dinheiro nos divãs, para aceitar o que a natureza lhes deu. Que têm vergonha de despir-se na frente do homem que gostam, fingindo não ver seus amados olharem os seios fartos que desfilam diante de seus olhos. Que têm vergonha por não poder usar qualquer tipo de roupa; ver toda propaganda voltada para os seios fartos, volumosos, tenros e macios feito peito do peru assado no Natal. Você já viu os biquínis e sutiãs expostos nas lojas de departamento feminino ou nas lojas voltadas para este segmento? Com certeza que não. Pois eu vou te falar por experiência, pois já fui casado com uma mulher de seios pequenos, e sei o quanto eles contribuíram para minha separação, por ela se achar inferior às outras. Cansei de ter que comprar sutiã, com ela, na seção infantil das lojas, pois era o único lugar onde achávamos o seu tamanho. À noite, fazer amor com a luz acessa era proibido. Acho que estou muito bem qualificado para falar sobre seios, peitos, mamas ou tetas.

Porém, eles que estavam voltados para suas defesas a respeito do natural ou artificial, quando lembraram do objeto de sua discussão, voltaram os olhos para aquela forma perfeita e a viram entrar no banheiro masculino. Olharam-se, pediram mais dois chopes, e voltaram os olhos para a praia.

menu
Lista dos 2201 contos em ordem alfabética por:
Prenome do autor:
Título do conto:

Últimos contos inseridos:
Copyright © 1999-2020 - A Garganta da Serpente
http://www.gargantadaserpente.com.br