- Respeitável público, apresentamos agora nosso incrível,
incomparável, inacreditável domador! Capaz de domar os mais ferozes
animais do mundo, hoje ele está aqui para nos mostrar outro de seus milagres:
diretamente da Quelônia, esse cágado monstruoso - parente do dragão
de Komodo - foi domesticado por ele...
"Incrível... Incomparável... Inacreditável... E
pensar que um dia eu acreditei que este mundo poderia ser real. Mas isso foi
há tanto tempo...
Na minúscula cidade onde nasci, a passagem de uma companhia, por mais
pobre que fosse, era o acontecimento do ano. E eu, como todas as outras crianças
do lugarejo, contávamos os dias para poder ver, por duas - às
vezes três - noites um mundo onírico, totalmente diferente daquele
em que vivíamos, o 'maravilhoso mundo do circo'.
Vivi toda a minha tediosa adolescência sonhando com o dia em que deixaria
aquele lugar esquecido por tudo e por todos. Odiava tudo ali, desde as silenciosas
praças até o clima bucólico das tardes quentes de primavera,
em que o sol banhava os pacatos moradores que voltavam para casa fatigados por
mais um dia de trabalho no campo...
Há muito tempo, nada de interessante acontecia e pensávamos
que o vilarejo havia saído da rota dos viajantes, já que eles
não apareciam mais por ali. Até que um dia, o barulho incomum
fez com que todos saíssem às ruas. Lá estava ele: o circo
mais sensacional que eu jamais vira em toda minha curta vida!
Com um nome impronunciável, animais que eu nunca sonhei pudessem existir,
malabaristas fantásticos, engolidores de fogo e espada, acrobatas alados
e tudo de mais fascinante que a imaginação pode conceber.
Aquele espetáculo seria marcante. Aquela noite mudaria minha vida para
sempre. No dia seguinte, antes do sol nascer, eu lá estava, procurando
pelo dono do circo. Usei todos os meus argumentos. Pedi, implorei para que ele
me deixasse seguir com eles e, ingenuamente, aceitei trabalhar de graça
devido à minha falta de experiência e de talento.
Fiz de tudo um pouco. Limpei, lavei, cozinhei; cuidei de homens e de animais;
tudo sem ganhar um único centavo. E depois de muito sofrer, decidi aproveitar
a única oportunidade que surgira em anos: tomei o lugar do antigo domador
que desaparecera, sem deixar vestígios.
Aprendi, a duras penas, o ofício e durante muito tempo lidei com todo
tipo de feras. No entanto, os anos foram passando e, com eles, a decadência
abarcou o mundo circense. O público diminuiu, a maioria dos artistas
foi embora, os animais morreram e a ruína tomou conta de tudo.
Hoje, sou obrigado a continuar representando esta farsa, pois me falta coragem
para voltar derrotado, fracassado, sem honra, sem glórias, para aquele
lugar do qual sinto tanta falta. Eu, o grande 'domador dos mais ferozes animais
do mundo', não tenho domínio nem mesmo sobre meu próprio
destino e sigo, nesta noite, para mais um patético espetáculo..."
- Senhoras e senhores, palmas para ele e para seu cágado da Quelônia!
Vamos ao espetáculo...