A Garganta da Serpente
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Ilusória Sina de um Destemido Domador

(Luciana Fátima)

- Respeitável público, apresentamos agora nosso incrível, incomparável, inacreditável domador! Capaz de domar os mais ferozes animais do mundo, hoje ele está aqui para nos mostrar outro de seus milagres: diretamente da Quelônia, esse cágado monstruoso - parente do dragão de Komodo - foi domesticado por ele...

"Incrível... Incomparável... Inacreditável... E pensar que um dia eu acreditei que este mundo poderia ser real. Mas isso foi há tanto tempo...

Na minúscula cidade onde nasci, a passagem de uma companhia, por mais pobre que fosse, era o acontecimento do ano. E eu, como todas as outras crianças do lugarejo, contávamos os dias para poder ver, por duas - às vezes três - noites um mundo onírico, totalmente diferente daquele em que vivíamos, o 'maravilhoso mundo do circo'.

Vivi toda a minha tediosa adolescência sonhando com o dia em que deixaria aquele lugar esquecido por tudo e por todos. Odiava tudo ali, desde as silenciosas praças até o clima bucólico das tardes quentes de primavera, em que o sol banhava os pacatos moradores que voltavam para casa fatigados por mais um dia de trabalho no campo...

Há muito tempo, nada de interessante acontecia e pensávamos que o vilarejo havia saído da rota dos viajantes, já que eles não apareciam mais por ali. Até que um dia, o barulho incomum fez com que todos saíssem às ruas. Lá estava ele: o circo mais sensacional que eu jamais vira em toda minha curta vida!

Com um nome impronunciável, animais que eu nunca sonhei pudessem existir, malabaristas fantásticos, engolidores de fogo e espada, acrobatas alados e tudo de mais fascinante que a imaginação pode conceber.

Aquele espetáculo seria marcante. Aquela noite mudaria minha vida para sempre. No dia seguinte, antes do sol nascer, eu lá estava, procurando pelo dono do circo. Usei todos os meus argumentos. Pedi, implorei para que ele me deixasse seguir com eles e, ingenuamente, aceitei trabalhar de graça devido à minha falta de experiência e de talento.

Fiz de tudo um pouco. Limpei, lavei, cozinhei; cuidei de homens e de animais; tudo sem ganhar um único centavo. E depois de muito sofrer, decidi aproveitar a única oportunidade que surgira em anos: tomei o lugar do antigo domador que desaparecera, sem deixar vestígios.

Aprendi, a duras penas, o ofício e durante muito tempo lidei com todo tipo de feras. No entanto, os anos foram passando e, com eles, a decadência abarcou o mundo circense. O público diminuiu, a maioria dos artistas foi embora, os animais morreram e a ruína tomou conta de tudo.

Hoje, sou obrigado a continuar representando esta farsa, pois me falta coragem para voltar derrotado, fracassado, sem honra, sem glórias, para aquele lugar do qual sinto tanta falta. Eu, o grande 'domador dos mais ferozes animais do mundo', não tenho domínio nem mesmo sobre meu próprio destino e sigo, nesta noite, para mais um patético espetáculo..."

- Senhoras e senhores, palmas para ele e para seu cágado da Quelônia! Vamos ao espetáculo...

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