Entrou no banheiro e tirou o paletó e a camisa. Tirou o batom do bolso
da calça, passou-o na boca e beijou a camisa na gola duas vezes, deixando
nela as marcas de seus lábios bem visíveis. Depois, lavou os lábios,
vestiu novamente a camisa, colocou o paletó e saiu do banheiro. Despediu-se
dos colegas e foi direto para casa.
Chegando em casa, tirou o paletó e jogou-se no sofá, fingindo
assistir o MG TV. A esposa não teve como deixar de ver aquelas duas manchas
de batom na gola da camisa dele. Com o indicador duro como um bilau em noite
festiva, apontou para a gola dele e perguntou encolerizada:
- O que é isto na sua camisa, seu, seu, seu... chifrador de mulher honesta?!
- Isto o que?! - perguntou ele, fazendo-se de besta.
- Isto!! - Ela agarrou a gola da camisa e quase a esfregou no nariz dele.
Ele levantou-se, dirigindo-se ao banheiro, fingindo que ia verificar o que tinha
na sua camisa, enquanto ela, pisando duro, ia atrás dele perguntando
se ele não tinha vergonha na cara.
- Ah!... Essas marcas de batom? Deve ter sido no ônibus...
- Ônibus? Que ônibus, seu cafajeste? Você foi e voltou do
trabalho de carro!...
- Não! Claro! Que ônibus! O cansaço faz coisas... Foi no
elevador.
- Que elevador, canalha! Seu escritório é no primeiro andar e
você sempre sobe e desce de escada porque acha que faz bem à saúde!
- É que eu torci o pé - começou a mancar de repente - e
hoje subi e desci de elevador. Aí, uma moça tropeçou e
caiu em cima de mim. Nessa hora, ela deve ter esbarrado a boca no meu colarinho...
- Mas, duas vezes, calhorda?!
- É que ela tentou se levantar e perdeu o equilíbrio e esbarrou
a boca de novo. - Fingiu-se de ofendido. - E se não for isso, o que pode
ter sido?
- Ainda pergunta?! Ô cara de pau!
- Olha aqui, até agora eu ouvi todas as suas ofensas calado, mas agora
eu me queimei! Eu trabalho feito um cão, dou um duro desgraçado
pra sustentar esta casa, e você vem insinuar coisas sobre mim que não
aconteceram?! Não tolero injustiça!
- Mas é um cínico mesmo!...
- E depois, tem mais. No trabalho, eu sou um santo. Nem olho para as mulheres
de lá. Meus colegas até acham que sou bicha! Por que você
acha que de "Gê"- chamava-se Geraldo - meu apelido evoluiu para
"Gê Magazine"? É que o pessoal até pensa que eu
sou boiola!
- Não adianta fazer piada, seu engraçadinho! E quem disse que
você não pode estar transando com uma lésbica, heim? Vai,
vai logo falando, quem foi a débil mental... Sim, porque para ficar com
você só pode ser uma débil mental. Quem foi a débil
mental que fez essas marcas aí?
- Olha, agora eu me enchi. - Geraldo correu até o quarto, tirou a camisa
e vestiu outra.
- Vou dar uma saída, espairecer um pouco e dar um tempo pra você
esfriar a cabeça...
- Vai, vai desgraçado, vai pros braços da infeliz! Vai, mas...
- Ele não deu tempo para ela terminar a frase. Saiu batendo a porta com
força. Na rua, pegou o celular e ligou para o Ronaldo:
- Alô, Ronaldão, deu tudo certo. Tô pronto. E as gatas?
- Já estão comigo. A gente se encontra às oito, no Tulipão.
- Tudo bem. No Tulipão às oito.
Geraldo teve uma noite e tanto. Enquanto isto, sua mulher, em prantos, não
conseguia se concentrar em nada. Tentou ver TV, ouvir rádio, ler, e nada.
Só pensava no desgraçado do Gê, que, coitado, podia ser
inocente. E se a história dele fosse verdadeira? E se ele, pobrezinho,
estivesse sendo acusado injustamente? Que insegurança a dela! Dez anos
de casados e ele nunca lhe dera um motivozinho, por menor que fosse, para ela
duvidar dele. Ela sim, insegura e filha única mimada pelo pai, iniciara
brigas homéricas em que o coitadinho, no final, provava sempre ter razão
e ter sido injustiçado. Será que, desta vez, ela não tinha
exagerado? Coitado!...
Geraldo dançou, bebeu todas e, quando deu duas horas da madrugada, após
despedir-se da Margô, uma gata de olhos verdes e seios enormes entrou
no carro, pegou o celular e discou para casa:
- Alô. - Ela atendeu com a voz firme. Não tinha conseguido dormir.
- Sou eu.
- É você benzinho? Tava preocupada...
- Queria saber se podia voltar pra casa. Tava enchendo a cara num copo sujo.
Num guento mais...
- Claro que pode, meu bem. Vem logo. Aqui a gente conversa...
Quando ele chegou em casa, ela abraçou-o, beijou-o, tirou seus sapatos,
suas meias, sua calça e sua camisa e colocou-o na cama só de cuecas.
Quando foi guardar suas roupas no cesto de roupa suja, sentiu um perfume estranho
em sua camisa. Bobagem! Impressão minha! - pensou. Lá vinha ela,
com sua insegurança, querendo começar tudo de novo...