Seis ou sete anos, não sei ao certo, porque já faz muitos anos.
Eu, Maria da Glória, a filha mais velha do senhor José da Silva
e de dona Florinda, sempre fui muito espontânea e janota.
Como toda garota dessa idade, adorava brincar de casinha, de papai e mamãe.
João Fragoso, vizinho meu, adorava vivenciar o papel de papai. Nós
dois sempre que brincávamos, a curtição era malinar com
o sexo um do outro.
Quando sentíamos que não havia ninguém por perto, extrapolávamos
mais um pouco. Eu por ser mais velha que o João, normalmente começava
a brincadeira: baixava a calcinha e forçava Joãozinho a pôr
o pingolim na minha xeca. Aquele tico de carne mole não fazia nem cócegas,
porém nós (guris) nos deliciávamos. O barato era que Joãozinho
se deixava ser abusado (será que era mesmo?). Não reclamava de
nada. Também ia reclamar de quê?
Muito pelo contrário, se entregava àquele deleite infantil. O
cenário de nossa história era o porão de minha casa em
Cruz das Almas, bairro nobre da cidade. O medo de sermos pegos por alguém,
excitava-nos ainda mais. Sim, porque criança é assim, quanto mais
proibida a coisa, mais intenso é o objeto de desejo.
Mas como tudo o que é bom, dura pouco. Para mim, não fugia à
regra. Os meus pais resolveram mudar de bairro. Por essa eu e o João
não esperávamos; não fomos ao menos comunicados.Como as
crianças não têm respeito mesmo! Foi dessa forma que nos
separamos, sem sermos consultados se queríamos ou não.
João vinha à minha cabeça quase que diariamente.Voltava
sempre em minhas fantasias adolescentes. Todavia nunca mais tive a felicidade
de revê-lo.
O tempo passou. Muitas águas rolaram para o mar. Mudamos para a praia.
Me formei moça à beira mar. Namorei alguns moços bronzeados.
No entanto, o rosto de Joãozinho não me saia da memória.
Tinha-o sempre em meus pensamentos. As lembranças eram românticas
com fagulhas de amor. Um amor truncado, preso a doces imagens. Parecia mais
um sonho. Sonho daqueles que não se quer acordar nunca mais.
Um belo dia, passeando pela praça João Pessoa, escutei um grito:
- Glorinha.
Quase desmaiei! Era ele mesmo: João Fragoso. Estava ali na minha frente
em carne e osso. Nem acreditei que aquilo era verdade. Procurei saber mil coisas:
o que fazia, aonde morava, se ainda estava solteiro etc.; ele foi ultrassincero
comigo; disse-me que havia se casado e que sua família era maravilhosa.
Sua esposa Lili e seus dois filhos eram sua razão de ser. Assim mesmo,
toca no nosso segredo. Confessa depois que, sofreu muito na adolescência
a minha procura, desiludindo; desistiu.
- Glorinha, lembra como você me puxava pra trás da porta?
- Claro, João! Como poderia esquecer?!...
- Olha, sofri muito quando você foi embora, princesa.
- É, eu sei. Eu também...
Mas, aquele discurso já não tinha o menor significado. Por alguns
instantes, pensei que o meu sonho de amor pudesse se concretizar, porém
todo o meu castelo ruiu por terra. E mais, senti por um triz aquele tesão
da infância. Mas jamais poderia ser como antes. Preferi dar às
costas a quem no passado fora meu príncipe encantado.