Ela parecia uma princesa negra de tão linda que era. Tornava-se mocinha
e esbanjava alegria e viço.
Durante o ano atrasado, lecionei História para a sua turma. E a beleza
e o astral da menina funcionaram como uma motivação a mais para
que eu, já estressado das estripulias dos alunos de escolas públicas,
trabalhasse com um pouco mais de ânimo. Ensinar para a turma da princesinha
africana era um prazer.
Só que, logo no início do ano passado, a coisa mudou. A princesa,
apesar de ter seus parcos treze anos de vida, perdeu seu viço e passou
a ostentar um semblante triste e envelhecido. Havia nele algo de melancólico
e, ao mesmo tempo, abrutalhado. E a menina que transpirava alegria e viço
passou a exalar apenas um deprimente sentimento de descrença no mundo
e na vida.
Antes, minha aluna fora uma estudantes nem brilhante nem medíocre. Fazia
"pro gasto". Agora, seu rendimento caíra. Tinha as piores notas
da sua sala. Seu comportamento, antes suportável e até certo ponto
exemplar, passou a alternar momentos de pura rebeldia com momentos de total
apatia.
Sem dúvida, algo de muito grave devia estar acontecendo com aquela menina
que começava a virar moça. Em tudo, ela se parecia com um ser
humano nascido para brilhar, cuja luz fora ofuscada por alguma força
maligna desconhecida. Tudo nela levava a crer que, agora, ela tinha um terrível
segredo.
E foi por acaso, ouvindo sem querer a conversa alheia travada em um tom um pouco
mais alto do que o exigia o assunto em pauta, que descobri o segredo da minha
aluna. Segundo ela mesma tinha confidenciado à orientadora educacional
da minha escola, ela tinha sido estuprada pelo padrasto e transformada em sua
amante. Aproveitando-se dos porres em que a mãe da menina caía
em sono profundo, já há algum tempo, o homem alto e forte possuía
a princesinha africana quando e como bem entendia, transformando a vida dela
num inferno.
E o pior é que ninguém teve coragem de denunciar o tarado às
autoridades para que se tomasse providências contra ele, que, suspeitava-se,
traficava drogas e dominava toda a área no entorno da escola. Alguém
tentou alertar a mãe da garota, mas a pobre mulher, já com o espírito
dilacerado pela cachaça, não dava notícia de nada que acontecia
em sua casa. E quando, reagindo de modo contrário ao que se esperava
dela, ameaçou expulsar de casa a filha que, segundo sua mente embriagada,
seduzia o marido, todos que sabiam da história resolveram que o melhor
era não comentar mais o fato com a mãe da menina. Com a mãe
da menina e com mais ninguém. Todo mundo, inclusive eu, que sabia da
história por ter a orelha muito grande, resolveu enfiar a cabeça
na terra, como fazem os avestruzes. E o homem continuou abusando da sua enteada
até o dia em que ela não suportou mais e se matou, enforcando-se
nua com uma toalha amarrada no basculante do banheiro.
Este ano, sou professor da irmã mais nova da princesa africana que se
matou. A menina não tem a mesma beleza nobre da irmã morta, mas
também é uma garota negra bonita.
No princípio do ano, ela era alegre e expansiva. Depois das férias
de julho, entretanto, a coisa mudou. A menina, apesar de ter seus parcos doze
anos de vida, perdeu seu viço e agora ostenta um semblante triste e envelhecido.
Há nele algo de melancólico e, ao mesmo tempo, abrutalhado. E
ela, que antes transpirava alegria e viço, passou a exalar apenas um
deprimente sentimento de descrença no mundo e na vida.
Antes das férias, minha aluna foi uma estudantes nem brilhante nem medíocre.
Fazia "pro gasto". Agora, seu rendimento caiu. Tem as piores notas
da sua sala. Seu comportamento, antes suportável e até certo ponto
exemplar, passou a alternar momentos de pura rebeldia com momentos de total
apatia.
Sem dúvida, algo de muito grave deve estar acontecendo com a menina que
começa a virar moça. Em tudo, ela se parece com um ser humano
nascido para brilhar, cuja luz foi ofuscada por alguma força maligna
desconhecida. Tudo nela me leva a crer que, agora, ela tem um terrível
segredo...