A Garganta da Serpente
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Metamorfose

(Luiz Lyrio)

Ela parecia uma princesa negra de tão linda que era. Tornava-se mocinha e esbanjava alegria e viço.

Durante o ano atrasado, lecionei História para a sua turma. E a beleza e o astral da menina funcionaram como uma motivação a mais para que eu, já estressado das estripulias dos alunos de escolas públicas, trabalhasse com um pouco mais de ânimo. Ensinar para a turma da princesinha africana era um prazer.

Só que, logo no início do ano passado, a coisa mudou. A princesa, apesar de ter seus parcos treze anos de vida, perdeu seu viço e passou a ostentar um semblante triste e envelhecido. Havia nele algo de melancólico e, ao mesmo tempo, abrutalhado. E a menina que transpirava alegria e viço passou a exalar apenas um deprimente sentimento de descrença no mundo e na vida.

Antes, minha aluna fora uma estudantes nem brilhante nem medíocre. Fazia "pro gasto". Agora, seu rendimento caíra. Tinha as piores notas da sua sala. Seu comportamento, antes suportável e até certo ponto exemplar, passou a alternar momentos de pura rebeldia com momentos de total apatia.

Sem dúvida, algo de muito grave devia estar acontecendo com aquela menina que começava a virar moça. Em tudo, ela se parecia com um ser humano nascido para brilhar, cuja luz fora ofuscada por alguma força maligna desconhecida. Tudo nela levava a crer que, agora, ela tinha um terrível segredo.

E foi por acaso, ouvindo sem querer a conversa alheia travada em um tom um pouco mais alto do que o exigia o assunto em pauta, que descobri o segredo da minha aluna. Segundo ela mesma tinha confidenciado à orientadora educacional da minha escola, ela tinha sido estuprada pelo padrasto e transformada em sua amante. Aproveitando-se dos porres em que a mãe da menina caía em sono profundo, já há algum tempo, o homem alto e forte possuía a princesinha africana quando e como bem entendia, transformando a vida dela num inferno.

E o pior é que ninguém teve coragem de denunciar o tarado às autoridades para que se tomasse providências contra ele, que, suspeitava-se, traficava drogas e dominava toda a área no entorno da escola. Alguém tentou alertar a mãe da garota, mas a pobre mulher, já com o espírito dilacerado pela cachaça, não dava notícia de nada que acontecia em sua casa. E quando, reagindo de modo contrário ao que se esperava dela, ameaçou expulsar de casa a filha que, segundo sua mente embriagada, seduzia o marido, todos que sabiam da história resolveram que o melhor era não comentar mais o fato com a mãe da menina. Com a mãe da menina e com mais ninguém. Todo mundo, inclusive eu, que sabia da história por ter a orelha muito grande, resolveu enfiar a cabeça na terra, como fazem os avestruzes. E o homem continuou abusando da sua enteada até o dia em que ela não suportou mais e se matou, enforcando-se nua com uma toalha amarrada no basculante do banheiro.

Este ano, sou professor da irmã mais nova da princesa africana que se matou. A menina não tem a mesma beleza nobre da irmã morta, mas também é uma garota negra bonita.

No princípio do ano, ela era alegre e expansiva. Depois das férias de julho, entretanto, a coisa mudou. A menina, apesar de ter seus parcos doze anos de vida, perdeu seu viço e agora ostenta um semblante triste e envelhecido. Há nele algo de melancólico e, ao mesmo tempo, abrutalhado. E ela, que antes transpirava alegria e viço, passou a exalar apenas um deprimente sentimento de descrença no mundo e na vida.

Antes das férias, minha aluna foi uma estudantes nem brilhante nem medíocre. Fazia "pro gasto". Agora, seu rendimento caiu. Tem as piores notas da sua sala. Seu comportamento, antes suportável e até certo ponto exemplar, passou a alternar momentos de pura rebeldia com momentos de total apatia.

Sem dúvida, algo de muito grave deve estar acontecendo com a menina que começa a virar moça. Em tudo, ela se parece com um ser humano nascido para brilhar, cuja luz foi ofuscada por alguma força maligna desconhecida. Tudo nela me leva a crer que, agora, ela tem um terrível segredo...

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