O celular dispara exatamente às 7:00h da manhã em ponto, como
Franz Kafka programara. Kafka assim que beija a sua mãe num cumprimento
carinhoso, comenta que teve um sonho horrível. Que se transformara num
inseto asqueroso: uma gigante barata. Sua mãe o abraça e o leva
até a mesa "O Franzinho precisa comer bem pra enfrentar as intempéries
da vida. Ainda mais, que está estudando demais."
Kafka se senta ao seu lado, pois precisa se alimentar na maior carreira, já
que sua aula, na faculdade de processamento de dados, inicia às 7:30h;
não chegaria a tempo, mas não era novidade nenhuma, era de praxe
se atrasar uns minutinhos.
Os dias correm na mesma rotina de sempre. Entretanto, Kafka está ainda
deitado e não quer, por hipótese alguma, levantar. Dona Dirce
vai ao seu quarto, procurar saber o porquê de sua demora. Porém
se depara com o filho largado, sem ânimo algum. Logo lhe dá aquele
sermão: "Seu preguiçoso, e a faculdade? Você está
terminando o curso, não pode relaxar desse jeito!" O filho continua
ali, parado; não dá a mínima, ou melhor, só retruca:
- Mãe, me deixa!
"Como alguém jovem como você fica nesse desânimo, filho?
Não dar pra entender!"
Os dias se passam. Aquela família que antes era feliz, transformara-se
naquele caos. A irmã de Kafka procura ajudá-lo de todas as formas,
todavia as coisas não mudam e ela já sem muito o que fazer, sem
perspectiva, fala-lhe: "Mano, você precisa reagir!"; quando
deixa o quarto, está arrasada. "Mãe, a gente precisa fazer
alguma coisa. Kafka agora está dizendo que é uma barata e que
a barata não precisa estudar não". É de chocar qualquer
uma pessoa aquela cena. Não tem cristão que suporte.
Dona Dirce cansada com a situação, resolve interná-lo numa
clínica de tratamento psiquiátrico. É terrível vê-lo
daquele jeito. "Doutor, como vai o meu filho?" "Veja-o com os
seus próprios olhos". Kafka se transformara num molambo de gente.
Sempre com um ar de perdido. O olhar fixo em lugar nenhum; totalmente alienado,
a baba escorrendo pelo canto da boca; dopado dos remédios controlados.
Três meses se passam. Kafka está de volta à realidade. Volta
curado pra casa. Sua mãe e a sua irmã Dilma estão só
sorrisos. "Ainda bem, mano, que você se curou!"; Dona Dirce
nem fala de tanta emoção.
- Quero voltar pra minha vida! Não aguento mais ficar longe dos
meus estudos, de vocês, dos amigos - Kafka esperançoso.
A vida de todos aos poucos volta ao normal. O homem é escravo de si mesmo.
Jamais foge da vida. Assim, a vida daqueles três retorna a mesmice de
antes. Graças a Deus. Porque só Deus pra Kafka se restabelecer.
"Foi ao fundo do poço. Pensei que meu filho nem retornaria a ser
o que era antes. Mas, Deus é pai!".
Kafka com o gás todo. Conclui os estudos e arranja emprego numa grande
empresa. Em outras palavras, consegue chegar lá. Olha que ninguém
tinha mais esperança!... Sua namorada Isolda também o faz muito
bem. É supercarinhosa.
- O que posso querer mais da minha vida? Pulei uma fogueira e cá estou
eu, tranquilo - Kafka conversa com a sua mãe.
Um ano depois, lá está Kafka de novo entrando naquele estado letárgico
outra vez. Não vai mais trabalhar. Pára de ver a Isolda. Pra dizer
a verdade, pára no tempo e no espaço.
- Barato namora apenas com barata; Isolda não é barata como eu.
Portanto, não dar certo- diz todo concentrado.
A família, outra vez, em pandemônio. E dessa vez tem um agravante:
Dona Dirce precisa esconder as chaves das portas pra Kafka não fugir
pra rua, porque de vez em quando a polícia o traz no camburão,
quando o encontra peladão, coçando o cascão em algum lugar
do bairro. "É triste ver um filho nesse estado! Mas sei que ele
ainda sai dessa!"
Internam-no de novo. Dessa vez, ele passa dias horrorosos na solitária,
exclusiva pra loucos agressivos. Porque Kafka se tornara muito perigoso. Às
vezes, tem crises de fúria, pula no pescoço do médico ou
de qualquer outra pessoa que se acerca dele. Reina matá-los e o faria
se o deixassem. Porém, os seguranças locais os acodem, de imediato.
Dona Dirce não consegue compreender por que o filho passa por aquelas
fases de loucuras. Nunca alguém havia lhe explicado o que de verdade
acontecia. Porém por acaso encontra Fernandinho, o melhor amigo do seu
filho, quando de visita a Kafka na clínica. Conversa bastante com o rapaz
e aí acaba descobrindo muitas coisas, especialmente como se encontra
o seu grupo de amizades mais próximo. Fernandinho bota pra falar; inclusive,
que o Marquinho, o mais alegre de todos, havia morrido de uma morte idiota:
jogara-se debaixo de um carro. E também que a Rosa, uma de suas companheiras
de balada, convertera-se à igreja evangélica. Pior foi, quando
o jovem acaba confessando que todos eram viciados em droga. Que rolava de tudo
quando estavam sozinhos.
"Minha nossa! Só agora consigo enxergar a realidade! Meu Kafka metido
até o pescoço na droga e eu nem desconfiava!" Mãe
é a última que sabe mesmo. Dona Dirce não seria diferente.
Naquele instante, ela compreende o porquê do seu sofrimento. As metamorfoses
do filho naquele lixo de gente. Suas neuras. A barata. As loucuras. O caos de
suas vidas. "Meu santo é forte, meu filho. Tenho Deus comigo, não
tenho medo do capeta não! Kafka vai sair dessa, com certeza!"
Dias depois, Dona Dirce volta à clínica. Naquele mesmo dia, o
médico dá alta pra Kafka.
Com o tempo, a vida começa a sorrir pra Kafka. Ele consegue se safar
do tempo ruim que passou; é tempo de bonança. Não há
nada melhor do que dar tempo ao tempo. O tempo cura todas as cicatrizes. Ele
está curado. Um milagre acontecera. Porque por muito menos do que passara,
muitos adolescentes não retornaram mais. A sua história tem um
"Happy End". Casa com Isolda. É extraordinariamente feliz no
amor, pois sua esposa é tudo de bom. E João Paulo, o filhinho
deles é uma figura linda, saudável e inteligente. Kafka não
pode se queixar da vida.
Numa bela manhã de verão, à mesa, Franz Kafka toma o café
da manhã como de costume. Enquanto Isolda vai ao quarto do filho e lhe
pergunta:
- Seu preguiçoso, quer perder a faculdade, logo agora que está
terminando o curso? Levanta daí, pois já passa das sete horas.
- superapreensiva.