O corpo de Cláudio expirou há exatamente 2:00h da madrugada.
Dez horas da manhã, seu primo, Dr. Jorge de Almeida, já estava
na funerária. Lá,outras pessoas chegavam curiosas pra ver o morto.
Todavia tiveram de esperar porque ainda não o tinham colocado no caixão.
Daí a conversa era pelas rodinhas de gente:
- Nossa! Ainda ontem eu conversei com o Sr. Cláudio! Ele estava bonzinho!
- diz alguém lamentando morte súbita.
- É, a morte não manda avisar não - retruca outro.
- Eu falei com ele, não era 9:00 da noite de ontem. Disse-me dos apuros
que estava passando. Não tinha dinheiro nem pra comprar comida. Até
sua luz, haviam cortado, fazia uma semana. Ainda assim, estava feliz e ia tomar
uma chuveirada antes de ir pra cama - comenta o seu primo Dr. Jorge de Almeida,
todo constrito.
Todos que estavam ali era aquela tristeza. O corpo continuava esperando ser
despachado para o velório. Estirado. Frio. Sozinho. Morto. Todos queriam
mesmo era livrar-se daquela "mala sem alça". Não tinha
pra que aquele teatro todo! Por que tanto chororó? Que motivo existia
pra tanta lamúria? Afinal aquele homem tinha sido apenas um estorvo pra
toda sua família. Inclusive pra sua mãe: Já que dera só
tristeza. Não soube administrar a fortuna dos pais. Fora totalmente um
irresponsável. Chorar agora? Fora melhor morrer; aquele traste não
tinha dinheiro mesmo! Era um Zé Ninguém. Quem iria sentir a sua
falta? Acredito que ninguém.
Sr. Cláudio tava Mortíssimo da Silva e Melo! Não adiantava
choro nem vela.
Um infarto fulminante tinha levado a óbito aquele homem tão habilidoso.
O restaurante da sua mãe não era famoso por causa dos quitutes
feitos pelo defunto? Não era um Mestre Cuca? Além disso, era artista
plástico. Pintava que era uma belezura! Só quadros com temáticas
regionais: A Mata. O Rio. As cachoeiras. Que maravilha! Só vendo! E mais
ainda, gostava de escrever poesias. Escrever era seu passatempo preferido. E
que poemas! Só Deus pra lhe dar tantos dons! E pra quê agora? Estava
durinho; pior, porque como morreu de enfarto, ficara preto do pescoço
pra cima. Mas como? O homem era branquinho e havia ficado escuro? Normal. Quando
o coração não suporta a carga e estoura, empretece a pessoa.
Menos mau; melhor o corpo que a alma.
- Meu pai tá pretinho - Fala Margarida, a única filha do Sr. Cláudio.
Estava grávida de seu primeiro filho. Não fazia uma semana que
fora ao médico e constatado que era um varão. Ela estava toda
feliz porque ia dar um neto macho ao pai. Faltava tão pouco pra ele conhecer
o neto. Mas Deus não quis que isso acontecesse.
- Vá em paz, papai - dizia Margarida, agarrada a Zezito, seu esposo.
Próximo dali, estavam Sr. José e Dona Marly, pais de Zezito, dando
aquela força ao filho e a nora. Ainda mais, porque com a nora naquele
estado interessante, era dever, e Zezito estava assumindo tudo. Inclusive a
despesa com a funerária: urna, flores e velório. Olha que era
uma dinheirama! Não era fácil, especialmente num momento daquele
no qual teria tantos gastos com a gestação de sua querida Margarida.
- Guida, querida, fique tranquila, eu resolvo tudo. Fique calma, seu pai
terá o enterro que merece.
- Eu sei Zezito. Só você, benzinho, poderá dar-me esse conforto.
Obrigada.
- Estou providenciando tudo; por falar nisso, já vão trazê-lo
para ser velado. Acabaram de aprontá-lo. Ai, paizinho, quanta dor que
eu sinto! Meu pai, o Senhor era o melhor pai do mundo!
Nesse ínterim, o cadáver do Sr. Cláudio fora aprontado
ali no salão vip da Funerária Gouveia. Todo bonito, florido e
perfumado. Dava maior tristeza ver aquele corpanzil pronto para ser entregue
aos insetos peçonhentos. Ninguém, naquele recinto, tinha coragem
de negar que ele fora um pobre homem, que vivera pela vida enfiando os pés
pelas mãos.
- Primo, aqui estou eu, Dr. Jorge de Almeida. Prometo que ninguém vai
tirar teus pertences, a não ser que Guidinha, tua filha querida o permita.
Pode ir sossegado. Teus quadros, livros, cds, poemas, tudo ficará muito
bem. Palavra, do teu primo, quase irmão, Dr. Jorge de Almeida, ao teu
dispor como sempre esteve. Tua mãe e irmãos não vão
tocar em nada, fique sossegado.
Nisso, anunciam a partida. Não é nem bom relembrar aquela choradeira.
Saiu pontualmente às 12:00h. O sol estava a pino. Todos muito pungidos
de tristeza, acompanhavam o féretro. Fora talvez um dos enterros mais
bonitos, já visto por meus olhos.
Na volta, Margarida e Zezito resolvem dar uma passada na antiga casa de seu
pai. Tudo estava tranquilo. Somente a sua gata preta, chamada Milu, tomava
sol no pátio.