A Garganta da Serpente
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Excesso de leitura dos best-sellers do mês

(Leonardo de Magalhaens)

(Dedicado a Dan Brown)

Lembro de fatos relacionados à minha visita ao Louvre, sim, o Museu do Louvre, em Paris, sob a sombra da polêmica Pirâmide de vidro, quando permiti (e até incentivei ) Elisa a fotografar-me junto as famosas peças da arte arquitetônica francesa, com acentos renascentistas ou traços modernos (ou pós-modernos, como é o caso da própria Pirâmide), num entardecer de brumas.

(Em Roma, nos domínios do Vaticano, eis que estou numa missa de Corpus Christi e perplexo diante da adoração, do fascínio destes sacerdotes diante de uma imagem - uma estátua! - de um corpo morto. Coroa de espinhos e filetes de sangue.)

Procuramos ângulos inusitados. A câmera em busca de posições panorâmicas. Agachado sob as arcadas, ou apontando para a Pirâmide de vidro,ou focando a entrada do Louvre, imagens são coletadas para um futuro. Um casal reclinado em sua comodidade, admirando a saúde e os sorrisos das viagens na juventude. Depois permitimo-nos passear ao longo das paredes de vidro da Pirâmide, notando lá embaixo, os corredores e as paredes exibindo as coleções das mais valiosas pinturas do mundo.

(Roma - proclamando minha perplexidade, consigo votos de apoio. A praça de São Pedro é sacudida por ondas humanas. Adorem o Deus-Vivo, eu grito. Esqueçam o Deus-Menino, o Deus-Sacrificado! Ninguém se interessa por um Deus de vitórias? Sou agora acusado, diante dos pilares do templo e sob a sagrada sombra da Basílica, de ser um perturbador, ou mais, um herege. Aquele a corromper os fiéis, a desviar o rebanho! Esclareço que não me agradam as acusações de iconoclasta, ou pagão, ou luterano. Alegam, com lentas palavras de fria intolerância, que o Deus é aquele que se sacrificou pelos homens, vis pecadores. Eu lembro que Deus é um Deus de Poder, de Glória, não um Deus-Homem-Morto, sangrando até os dias atuais.)

Sob os arcos, sob a meia-luz do anoitecer parisiense, fotografar um prédio, com tão vastos detalhes, exige uma dose de profissionalismo que, infelizmente, nos falta. Aqui, onde o passado e o presente se encontram,onde contornos floreados se encontram lado a lado com fibras sintéticas... ah, perdoem-me minha ignorância quanto a detalhes arquitetônicos...

(Autoridade eclesiásticas, em vestes escarlates, prenunciando o sangue, olham-me de suas culminâncias com retinas piedosas. Sou obrigado a novas explicações. Abatem-me sujas imprecações e vazias acusações. É inútil apresentar claramente minhas ideias, um tanto embaralhadas após semanas num antro escuro, à pão, bolachas e água morna. Ouço, às minhas costas (minhas doloridas costas!) as vozes blasfemas de muitos que se autoapregoavam meus companheiros. Trata-se de uma armadilha. Vozes amigas. Vozes inimigas. Traição e perfídia! Torturam-me a alma além do corpo. Sangram-me a dignidade além dos ossos moídos. Torturam-me. Sou condenado. Olhos anseiam pelo crepitar das labaredas.)

Abraço Elisa, depois de incluí-la em outras fotos (encontramos um italiano muito gentil), tendo, ao fundo, a Pirâmide. Abraçados, sorrimos e nos entregamos à noite.

Abr/Jun/06

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