A Garganta da Serpente
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Uma carta sobre os mísseis cubanos

(Luiz Morvan Grafulha Corrêa)

O gaúcho bueno estava de olhos e ouvidos nos noticiários e, mal anunciaram a publicação, em revista de informações, de uma tal soma de prata recebida pelo partido atualmente no governo, lascou, verdade ou não, uma possível justificativa:

Sobre os Mísseis Cubanos:

Faz um eito que deixei de feder a cueiro. Não que tenha perdido todos os odores, pelo contrário, outras catingas adquiri, que provavelmente não tão infantis e nem tão fragrantes.

Sucede que, entre um empestar e outro, vivi a tal crise dos mísseis soviéticos que estavam sendo assentados em Cuba, que se estava transformando em uma plataforma de lançamentos e apontados, diretamente, para o coração da América do Norte, na crise que ficou conhecida como "os doze dias que abalaram o mundo".

Só para vos alumiar os recuerdos, devo lembrar que foi um conflito surdo entre Cuba, Estados Unidos e União Soviética. Mais precisamente entre Fidel, que não passou, no episódio, de mero coadjuvante de chapéu na mão, Kennedy e Brejnev.

Por força do dever devo lembrar também que o Brasil foi envolvido, através de longa carta enviada ao presidente João Goulart, pelo seu par americano, conclamando-o a emprestar apoio para a invasão militar da pequena, insipiente e, ao tempo, feliz ilha.

Jango, que era pacifista e, ao contrário do que se dizia e diria, não alinhado, respondeu com carta ainda mais extensa, repudiando com firmeza a ideia e, quem sabe, salvando Cuba e também o mundo de uma guerra de proporções terríveis e avassaladoras.

Cogito, por sinal, que esta carta foi a marca na paleta do nosso ex-presidente e que enquanto não o derribaram, não sossegaram, nem os norte-americanos ofendidos, nem a nossa oficialidade patriota e muito menos nossa oligarquia zelosa.

Mas esta é outra história da qual os livros estão repletos e ninguém mais lembra nem ninguém mais se importa e acabaram, os tais mísseis, sendo mandados de volta para a origem, provavelmente por posta restante.

Mais de quarenta anos se passaram. A União Soviética ruiu como um castelo de cartas. O arrogante império americano conseguiu levantar contra si o ódio de todos os continentes. Fidel se criou. Cresceu. Governou seu país com mão de ferro e ainda está por lá, não obstante os tombos que às vezes leva. Dizem alguns, detém hoje uma das maiores fortunas pessoais do planeta. Verdade ou não, jamais saberemos, uma vez que la isla y el pueblo são pobres como ratazanas de igreja. O Brasil resistiu. Penou, sofreu, sonhou, mas sobreviveu. Principalmente sobreviveu.

Acho, ao que tudo indica, que resistiu também um último míssil em Havana. Decerto que abandonado pelos cientistas militares soviéticos que lhe retiraram a ogiva nuclear e não julgaram, nem conveniente e nem econômico, recambiar a lataria.

Pois imagino que o velho e barbudo comandante, quiçá gagá e decrépito, numa neura qualquer, tenha resolvido, ou para fazer média com os fortes lindeiros ou de forma intempestiva, vingar-se do Brasil pela posição coerente que adotou Jango e, esquecido de que guardara seus supostos dólares no lugar vago da tal ogiva, tenha mandado dispará-lo contra nós e, por pura casualidade e falta de sorte, atingido, o famigerado míssil, de forma aleatória, ao invés do Planalto, o comitê do alto comando do partido dos trabalhadores, então em plena campanha presidencial.

Em face de tudo que ouvi de esfarrapadas explicações, depoimentos e justificativas, não creio que seus mais zelosos e austeros sectários deixem de ser convocados pela oposição indignada para falar sobre o fenômeno e, em assim sendo, ocorreu-me antecipar-lhes esta possível e plenamente factível versão, que creio, satisfará cabalmente os inquisidores.

Certo de ter prestado meus bons serviços ao governo, subscrevo-me atenciosamente, colocando-me ainda ao seu inteiro dispor para idear outras barbaridades e patranhas que estejam dentro da minha modesta capacidade e limitada possibilidade, que lhe possam salvaguardar, conquanto suponho temporariamente, o pelego.

Tuquinha

Basílio, 04 de novembro de 2005.

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