A Garganta da Serpente
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Uma carta sobre pedras e pedreiras

(Luiz Morvan Grafulha Corrêa)

O gaudério estava acompanhando de perto, via imprensa, o bate-bocas que se generalizara, entre os administradores atuais e os anteriores do povo grande de Pelotas e, como de moinhos de pedra entendia um pouco, lascou:

Havia uma pedreira no meio do caminho:

Tenho lido e relido o que se têm dito a respeito da famosa pedreira municipal. Acompanhado, pela televisão, as sessões da Câmara de Vereadores, as sindicâncias e as CPIs.

Aí, não sei porque cargas d'água lembrei-me de dois autores: primeiro, do Carlos Heitor Cony, que, se não me engano, desencarnou há pouco tempo e que escreveu, lá nos idos de 60, um libelo contra a selvageria e a truculência dos golpistas que se haviam apossado da terra nostra, intitulado "O Ato e o Fato", onde, numa das crônicas, relatava que em plena Avenida Atlântica, no Rio de Janeiro, um transeunte colocara um ou dois paralelepípedos no meio da via e estancara, por incrível que possa parecer, a investida dos blindados do I Exército contra o povo que se manifestava em favor da ordem constituída e do estado democrático e de direito.

Depois, do José Carlos Drumond de Andrade, criador do não menos famoso: "No meio do caminho tinha uma pedra..."

Pois aqui também tinha, ou havia, se preferirem, - e tem ainda. Não uma, mas uma pedreira, no sentido estrito e no sentido figurado, que significa, mais ou menos, ser duro de roer e difícil de quebrar, ou de descascar.

Sucede que fiz, durante toda a vida, carreteiras de piche pelo estado inteiro e até fora dele, e, como manda o figurino, reza a cartilha e requer a necessidade, montei, operei e desmontei miles de moinhos de pedras, usinas de solos e de asfalto, desde as gravimétricas, até as mais recentes, que são dosadas por intermédio de balanças dinâmicas e eletrônicas e alcunhados, os conjuntos completos, de drum-mixers, que significa tambor giratório misturador, coincidentemente, neste aspecto, em nada diferenciando das antigas, que também os possuíam. Mas não vem ao caso.

Vem, isto sim, o déficit operacional do propalado moinho municipal.

Historicamente o custo de produção de um metro cúbico de brita, em qualquer britagem que se preze ou que assim se possa nomear, incluindo o desmonte da rocha sã, o transporte até o britador, a moagem, a recomposição da área e tudo o mais que requer a operação é de cinco dólares, e o de venda, de onze dólares.

Sempre foi assim, ou pelo menos desde que os romanos pavimentaram a via Ápia, muito embora, se bem que inventado o revestimento asfáltico, não houvessem ainda ideado o dólar, que só apareceu um pouco depois, para gozo e satisfação dos norte, centro e sul-americanos, dos emergentes e dos políticos de cuecas folgadas e honras escassas.

Isto dito e isto provado por qualquer publicação especializada, caiu-me o queixo ao saber que a tal instalação dá prejuízo.

Decerto que é a primeira do mundo a ostentar e declarar, sem o menor pundonor, tal absurdo e, mais certo ainda, amanhã ou depois, vai figurar no tal de Guines, que é um livreco que criaram para colocar disparates e coisas que só acontecem no outro mundo, como suprassumo da ineficiência e da babaquice.

Tudo, é claro, considerando que o produzido e vendido, seja ressarcido, o que, via de regra não acontece, sobretudo quando entre departamentos ou secretarias de um mesmo órgão público, que têm o estranho e pouco salutar hábito de trocar memorandos, balancetes ou moeda contábil, - que, cá para nosotros, não valem uma guampa torta, - ao invés de moeda sonante.

Hay ainda de se considerar, nos resultados, o eventual excesso de contingente e sua real aptidão e capacidade para fazer frente às tarefas que se lhes exigem os postos; o sucateamento dos equipamentos; os preços frequentemente escorchantes pagos pelos insumos, uma vez que a fazenda pública é má pagadora e os fornecedores cobram caro por este tipo de risco e, por derradeiro, a capacidade nominal das instalações e o volume realmente produzido, sem ponderar, naturalmente, sobre interesses eventualmente escusos nem atentar para jogos políticos danosos ao combalido aerariu publicu e à abalada e impotente massa da população que, ao fim e ao cabo, é a proprietária de direito e a que sempre paga a conta sem nunca ter posto a mão, nem na prata, nem na pedra.

E tenho dito. Tuquinha

Basílio, 27 de outubro de 2005.

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