A Garganta da Serpente
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No elevador

(Lucas Nicolato)

Antônio entrou no edifício rapidamente. Estava ansioso em chegar à reunião, embora não estivesse atrasado. Haviam-lhe dito para estar lá às nove horas e eram ainda oito e quarenta e seis. Certamente chegaria a tempo.

Que diabos o chefe poderia querer com ele? Um aumento? Não. Muito pouco provável. Certamente exigir-lhe-ia algo ou faria alguma espécie de repreensão por qualquer coisa que ele não houvesse feito direito: talvez algum papel que não houvesse chegado ao seu destino dentro do prazo determinado.

Antônio ia correndo pelo vão de entrada indo em direção aos elevadores. Havia muitas pessoas ali esperando.

Muito poucos elevadores, pensava Antônio, muito poucos elevadores ou talvez gente demais. Um calafrio atravessou suas costas. Não, não podia ser. Antônio não queria aceitar a ideia, embora lhe parecesse absolutamente certa. Havia gente demais, o chefe lhe chamara para tratar de demissão. Sua função, a final, nem era tão importante, a informatização certamente poderia suprir a sua falta.

Um elevador chegara e abria sua porta. Seria uma longa viagem até o 36. Toda aquela gente foi entrando apressadamente, empurrando e espremendo-se uns aos outros. Aquela enorme massa humana apertada em um cubículo de aço traduzia-se para Antônio como um sentimento profundo de angústia. Gente demais para espaço tão limitado.

Ele seria deixado de fora, provavelmente. Antes de demitir alguém dos departamentos o chefe livrar-se-ia da escória daquela firma. E Antônio, obviamente, era o pior entre a escória. Certamente seria posto de lado. Havia muita gente mais importante que ele. E havia gente demais.

Um homem alto, de cabelos grisalhos, fumava calmamente seu cigarro, sem importar-se com o incômodo que gerava em seus colegas de cubículo.

"Sim. Não. Não... As ações das empresas de software tiveram uma grande queda nos últimos tempos..." falava ao telefone celular um rapaz de pouco mais de trinta anos.

Não, não. Ele não seria demitido. Certamente o chefe teria algum outro assunto qualquer a tratar com Antônio. Depois de algum tempo na firma era natural que o dono quisesse vê-lo. Mas que outro assunto poderia haver para ser tratado? Nenhum.

"Não sei... Desenvolvimento de software não é mais tão lucrativo como em meados dos anos noventa..."

O cheiro do cigarro nauseava Antônio. Algumas pessoas começavam a tossir. O homem de cabelos grisalhos acendia tranquilamente um novo cigarro.

O elevador ainda estava no nono andar. A ansiedade aumentava. Ser deixado de fora assim era ultrajante. Não. Era preciso fugir à ideia da demissão. Certamente ele ainda riria muito de todo aquele medo. Não havia nada de errado. O chefe queria conversar, saber como ia o trabalho, só isso.

Antônio tentava distrair-se observando as demais pessoas ao redor. O rapaz ao celular parecia irritado e mexia compulsivamente em seus cabelos, enrolando-os. No fundo, dois homens riam baixo e cochichavam. Tossia-se muito.

"O senhor está aqui há muito tempo?" perguntou-lhe uma moça muito bonita, de uns dezoito anos, com olhos e cabelos negros.

"Já trabalho aqui há tempo suficiente."

"Às vezes o senhor não tem a impressão de que trabalha aqui desde sempre e que vai sempre continuar trabalhando aqui? Eu sempre tenho essa impressão, e sempre tive."

"Sim. Eu também.."

"Mas os elevadores não deveriam subir tão cheios. Isso pode se perigoso." Falava um dos homens que antes cochichavam.

Certamente alguém teria que sair. Não havia lugar para todos e, na verdade, ele nunca havia realmente estado dentro. Nada mais justo que ele sair da firma. Havia gente muito mais importante que ele, gente que precisava de espaço.

"Qual é o seu andar?" perguntava-lhe a moça.

"Trinta e seis."

"É o meu número de sapato."

"Que interessante..." respondia sarcasticamente Antônio.

A porta do elevador abria-se. Algumas pessoas saiam. Era o décimo quinto andar, Departamento de Processamento de Dados. Os que ficavam tossiam mais.

"O número do meu sapato é trinta e seis, mas não é um número grande."

"Três mil em ações na indústria automobilística. Perdeu tudo."

"Na verdade é um número bem pequeno se o senhor levar em consideração minha estatura."

"Não. Eu não acho pouco. A questão principal é que nunca se sabe quanto é demais antes de se investir. Desse modo estamos fadados a perder muito em más ações e deixar de ganhar com as ações boas."

"E com pés tão pequenos mal posso me equilibrar! Veja o senhor!"

Todo o falatório irritava terrivelmente a Antônio. O cheiro do cigarro ficava progressivamente mais forte, na medida em que o ar ia ficando saturado de fumaça. Antônio, em uma queda momentânea de pressão, precipitou-se em direção a moça ao seu lado.

"O senhor deve ficar calmo. Nós já estamos indo." Disse ternamente a moça tomando-o em seus braços.

Todos fitavam-no desconfiadamente. O homem de cabelos grisalhos olhava-o obliquamente enquanto continuava a fumar seu cigarro. Toda aquela cena parecia-lhe grisalha. Ao fundo, dois homens riam e cochichavam. O ar tornava-se mais denso e mais difícil de se respirar.

"O mercado de ações é realmente confuso."

A situação tornava-se insuportável. A náusea chegava a tal ponto que Antônio imaginava quanto tempo poderia resistir ante de vomitar nos braços daquela bela moça.

"Qual é o número de sapato do senhor?"

A porta do elevador abria-se novamente. Era o andar vinte e dois. Todas as pessoas começaram a sair do cubículo, como se em repulsa à figura nauseabunda.

"O senhor não se preocupe, eu já estou indo. Afinal, parece já fazer tanto tempo!"

A moça saiu apressada.

O elevador seguia sua viagem. Antônio estava sentado no chão do elevador, sozinho. Sim, ele estava sozinho! Agora havia espaço para ele e para seus pensamentos. O cubículo não estava mais entulhado com aquela multidão e nem mais havia cigarros para incomodá-lo. Por outro lado, entretanto, não haveria mais espaço na firma. A demissão era certa. Todos iriam abandoná-lo. A certeza de seu destino nauseava-o mais que a fumaça do cigarro do homem grisalho.

O elevador parava no trigésimo andar. As portas se abriam. Do lado de fora um corredor branco e vazio. Ninguém para entrar, ninguém para sair. Algum idiota havia chamado o elevador e desaparecera. Alguém lhe havia aberto as portas para o nada. As portas fecharam-se e o elevador prosseguiu sua viagem.

Não havia mais nada que o distraísse de seus pensamentos. Nenhum lugar para onde fugir da inexorável verdade. Ele seria mandado embora e teria sua vida destruída, pois certamente ninguém mais o contrataria depois de ter sido despedido de firma tão importante. Antônio ficaria sozinho e sem trabalho, sem utilidade.

Sua respiração, tornando-se lenta e difícil, produzia horrendos chiados. Parecia-lhe que sua garganta seca havia doado toda a umidade a seus olhos, que vertiam lágrimas copiosamente. Seu estômago revirava-se. Antônio sentia saudade da massa humana que perturbara aquele elevador instantes antes.

A porta abria-se pela quarta vez. Trigésimo sexto andar. Antônio saiu do cubículo um tanto aliviado. A espera chegara ao fim. Cambaleando e apoiando-se nas paredes do corredor vazio, foi até o banheiro masculino, igualmente vazio.

Sua náusea agora teve espaço para manifestação: vômitos volumosos e reiterados encheram uma das privadas até quase transbordar. Antônio tentou acionar a descarga repetidas vezes. Para sua irritação o mecanismo estava emperrado. Foi até a pia para lavar seu rosto, mas não havia água nas torneiras. Também não havia toalhas para que enxugasse suas lágrimas. Mas que importava? Não havia tantas lágrimas assim para serem secas.

Totalmente recomposto, dirigiu-se ao gabinete do chefe.

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