Ulisses atravessou a rua correndo esbaforido e escapou por um triz de ser atropelado
pelo ônibus que passava em alta velocidade. Chegando à calçada,
tropeçou, perdeu o equilíbrio e caiu no chão, indo parar
entre os pés dos transeuntes apressados, com um esfolado ardido na palma
da mão direita. "Droga!". Sob os olhares de estranheza de alguns
passantes que pararam para vê-lo caído - como tem gente que gosta
de apreciar os tombos alheios, impressionante! - ele se pôs rapidamente
de pé e continuou a corrida, olhando febril para todos os lados e principalmente
para o chão, como se tivesse perdido alguma coisa.
Nesse ritmo trombou numa senhora e derrubou os livros de uma garota, mas nem
assim se deteve, pensando exasperado: "Por que é que tem tanta mulher
nessa calçada?". Andou naquele passou louco por mais três
quarteirões, quando finalmente parou e sorriu, aparentando ter encontrado
o que estava procurando. Respirando fundo várias vezes, ele cuidou que
o coração não saltasse do peito pela boca, da corrida e
da emoção. Os olhos brilhavam, dir-se-ia ter ele achado um tesouro.
E era mesmo um tesouro, algo único, precioso!
Deu alguns passos vacilantes e ficou olhando com ternura para ele. Lá
estava, um pouco à frente, absolutamente lindo e perfeito. Magro, daquele
jeito que deixa ver as articulações sob a pele, bronzeado, delicado,
bem cuidado. Daquele tipo que dava vontade de tocar. Ulisses tinha a certeza
de que seria suave e quente ao toque e que teria um perfume especial e discreto.
Mal podia conter o impulso de acariciá-lo, beijá-lo, mordê-lo!
Sentia a boca seca de vontade de massagear-lhe o peito e lamber-lhe os dedos
um a um, com lascívia. Estremecia só em pensar, antecipava o prazer
sublime. Temia não merecê-lo - ele era tão maravilhoso!
- mas nada o impediria de tentar.
Apressou o passo, era agora ou nunca. Mas estacou, sentindo o coração
parar e ficou olhando, assombrado. "A sola... Ah não, a sola eu
não aguento... Assim ela me mata!..."
A moça que Ulisses seguia encostou-se numa parede, tirou a sandália
e levantou o pé esquerdo a fim de arrumar a correntinha prateada que
pendia do tornozelo. Tinha longos cabelos negros, silhueta longilínea,
traços harmônicos. Era muito bonita, mas Ulisses não vira
isso. Ele apenas tinha visto os pés pequenos e delgados, que apareciam
sob a saia branca longa que ela usava. Era o pé mais lindo que ele já
vira e a paixão fora instantânea. Só não estava preparado
para ver a sola assim, no primeiro encontro.