Não entendo o que as pessoas veem no amor. Precisam desesperadamente
de companhia, iludem-se com promessas falsas e sonhos de uma vida em comum.
Mas sempre alguém acaba ferido, sempre alguém se machuca.
Eu o conheci quando estava fragilizada. Havia perdido alguém a quem
muito amei fazia pouco, sentia-me deprimida, vazia. E então ele entrou
em minha vida. Era como um cavaleiro saído das novelas medievais. Honrado,
corajoso, e estava ali para salvar a donzela em perigo.
Eu, que já andava descrente dos sentimentos, relutei. Duelei bravamente
com meu coração, mas perdi. Em situações como essa,
mesmo o cérebro sabendo a verdade, o coração, burro, teima
em não aceitar.
- Dessa vez vai ser diferente - ele sempre diz. E a gente acredita. Eu acreditei.
Amei Henrique como jamais julguei possível amar alguém. Ele me
trazia alegria e alento, mesmo em sua tristeza. Sua tristeza, aliás,
completava a minha. Confortava meu coração saber que não
estava sozinha, que alguém entendia o que eu estava passando. E displicentemente,
embora com certo esforço, abri as portas dos meus sentimentos para que
ele entrasse. Tirei a poeira, as teias de aranha. Fiz do meu peito um lugar
aconchegante para receber um novo inquilino.
Era maravilhoso tê-lo comigo, mesmo que não fosse sempre. Aliás,
era esse caráter esporádico que me agradava. Não gosto
de compromissos e de prisões emocionais. Minha relação
com Ricky era livre disso. Tínhamos sim compromisso um com o outro, mas
jamais houve cobranças. Também nunca oficializamos nada. Nunca
fomos namorados. Nunca fomos noivos. Nunca um casal oficial. Não precisávamos
disso. Rótulos eram o que menos importavam, quando tínhamos um
ao outro, corpo e alma.
Um ano se passou, e nesse tempo mais desencontros do que encontros. Não
sou de fazer planos a dois, não me vejo partilhando minha vida com ninguém.
Henrique quase derrubou essa barreira, era até divertido nos imaginar
com um casal antigo, assistindo à TV, deitados no sofá. Quando
estava comigo, dormia bem, um sono tranquilo e feliz. Nas noites em que
não nos víamos, no entanto, meus sonhos me alertavam: "não
se entregue, vai doer". Eu sabia disso, mas não queria acreditar.
Pela primeira vez em muito tempo, sentia que amava alguém; não
podia crer que estivesse errada.
- Burra! Ouça o que eu digo. O coração mente, não
se deixe levar por ele. Sentimentos são traiçoeiros. São
maus.
Eu fazia de conta que não ouvia as vozes em minha cabeça. Elas
gritavam, mas eu as combatia com uma cartela inteira de aspirinas. Passaram
a ser mais agressivas. Quando eu as ignorava, berravam em coro.
- Você sabe que estamos certas. Ele a engana. Nunca a amou.
- Não quero ouvir!
- Você sabe que estamos certas. Ele a engana. Nunca a amou.
- Você sabe que estamos certas. Ele a engana. Nunca a amou.
- Você sabe que estamos certas. Ele a engana. Nunca a amou.
Já não adiantavam os remédios, era infantil tentar afastar
as vozes com as mãos nos ouvidos, o vinho e as drogas também se
tornaram banais.
- Amor, o que mais quero é ter você perto de mim, poder estar
com você sempre e todas as noites vê-la adormecer em meus braços.
- Você sabe que estamos certas. Ele a engana. Nunca a amou.
- Não!
Henrique me olhou desconcertado.
- Não? Pensei que fosse o que você queria, também. Não
me ama mais, Jen?
Eu olhava para ele e tentava, mas não via mais meu cavaleiro. Meu coração
alternava entre batidas aceleradas e momentos de quase total inatividade. Senti
o ar faltar. A vergonha por ter caído no conto da carochinha me machucava
mais do que o "fora" que estava prestes a levar. Pessoas começam
e terminam relacionamentos todos os dias, não havia nada de mais nisso.
Mas eu podia ter evitado...
- Você sabe que estamos certas. Ele a engana. Nunca a amou.
- Sinto que você precisa de alguém mais presente, Jen. Não
estou conseguindo fazê-la feliz.
Olhei nos olhos dele, tentando encontrar algo que me tirasse daquele pesadelo.
Ele havia me enganado! Eu, sempre tão cuidadosa, havia sido pega na mais
antiga das armadilhas. Nenhuma mulher é diferente, afinal, e eu era prova
disso: uma romântica ingênua e burra. Continuei a olhar naqueles
olhos azuis, buscando algo que me situasse novamente na realidade. Ou no sonho.
Queria continuar sonhando.
- Você sabe que estamos certas. Ele a engana. Nunca a amou.
Apertei os olhos, cobri novamente os ouvidos com as mãos. As vozes eram
como pedras lançadas em minha mente. Precisava me concentrar, voltar
a mim; precisava voltar ao meu centro e pensar. O que Ricky estava dizendo?
Ele esperava uma resposta, sei disso. E eu precisava afastar as vozes... Senti
as lágrimas rolarem, sem-vergonhas, pela face.
- Você sabe que estamos certas. Ele a engana. Nunca a amou.
- Você sabe que estamos certas. Ele a engana. Nunca a amou.
- Você sabe que estamos certas. Ele a engana. Nunca a amou.
Aos poucos as vozes foram silenciando. Também elas queriam saber o que
eu havia decidido. Também elas queriam ouvir a resposta, pôr um
ponto final naquela farsa. A pressão nas minhas têmporas foi suavizando,
as lágrimas secando. Abri os olhos, mas não havia ninguém
na minha frente. Nunca houvera. Sim, as vozes estavam certas. Amei uma ilusão,
e ilusões são efêmeras. O amor é uma ilusão,
e eu sempre soube disso, apenas com Henrique eu quis crer que não precisava
ser assim. Senti meu peito voltar ao normal, tornar-se oco novamente. Não
permitiria mais essas ilusões.
- Você sabia que estávamos certas...