Seu corpo acinzentado é coberto de um líquido gosmento que a protege.
Denuncia sua passagem, deixando rastros sinuosos e transparentes. Por vezes,
confunde-se com o verde das folhagens ou a transparência das águas.
Sob o sol ou luar, todo seu corpo de lesma, brilha e reluz a beleza de tudo
que a cerca.
Habita um bosque, porém, não se sente parte desse universo.
Devoradora de folhas verdes e tenras satisfaz seu apetite, vagarosa, arrastando
em seguida seu estômago, que lhe serve de pés.
Tudo que é belo lhe dá prazer. Lesmaton deleita-se ao sentir seu
pequeno ser rastejar sobre uma rocha de cristal. Adora brincar com os raios
de sol, escondendo-se entre as folhagens.
Seu maior sonho é voar. Ver tudo do alto. Sentir as nuvens atravessando
seu corpo úmido.
Carrega em si muitos medos. O maior é o de não ser amada.
Apesar de ter muitas companheiras, sente-se só e incompreendida.
Certo dia resolve viajar sozinha, embrenhando-se pela floresta adentro.
- Quem sabe, pensa Lesmaton, eu encontro na floresta seres diferentes e interessantes
que me façam sentir viva e amada!
A Viagem
Trovejava. Rompia a tempestade em meio à floresta. Animais procuram suas
tocas. Flores recolhem as pétalas. Gnomos correm de cá para lá,
no arrumar da festa. Os xamãs estendem seus condões mágicos,
ao céu, em louvor aos deuses das trevas.
Do alto das montanhas distantes, emolduradas pela neve, retornam aos ninhos
pássaros enormes.
Neste cenário de morte e rebeldia da natureza, Lesmaton se encontra só,
a observar tudo com muita atenção.
Rastejando sobre folhas úmidas, percebe a transparência de seu
corpo de lesma. Procura por outros habitantes na floresta, cheia de mistérios
para ela.
Devido à forte chuva, se vê obrigada a procurar abrigo entre algumas
raízes. Saboreia um pedaço de folha e, satisfeita, ali adormece.
Agora, adormecida, Lesmaton se desliga da realidade cruel e sonha serena.
Não há como entrar nos seus sonhos. São herméticos
e misteriosos.
Enquanto sonha, a natureza continua viva e alerta. As águas correm nos
riachos. A noite vai se fazendo dia. As flores abrem suas pétalas para
o sol e tudo brilha. Amanhece...
O despertar de Lesmaton é preguiçoso. Saboreia cada movimento
de seu ser. Toda sensação lhe vem à tona nesse momento.
Ela renasce para o dia!
As pedras rolando no riacho ao lado, despertam paixão na peque na lesma.
Apaixona-se pelo voo dos pássaros, o rumorejar das águas,
o vento soprando as ramagens, a brisa quente sobre seu corpo, o perfume das
flores silvestres, as cores das borboletas, o estrondear dos trovões,
que insistem em tornar o céu escuro novamente.
Com o dia, todas as esperanças esverdeadas pela mata à sua frente,
impulsionam a lesma solitária a rastejar, seguindo viagem.
Seus rastros, deixados ao longo do percurso, dão um sentido aos galhos
de árvore ao perceberem o grande labirinto que formam. Os raios de sol
escapam para seguir seus riscos. Penetram no labirinto, querendo descobrir seus
segredos.
De repente...
Uma queda!
-Pobre de mim! - Exclama Lesmaton.
A lesma subira numa rocha, um tanto alta e, desprendendo-se, cai em solo argiloso,
de onde não consegue sair. Como cola a segurar seu corpo, a lama tenta
atingir seu objetivo: tragar a lesma indefesa...
Lesmaton, debatendo-se vigorosamente, desvencilha-se da lama. Quando se vê
diante de um espelho de água empossado num pequeno vão, gosta
da nova aparência. A lama já seca dá uma cor marrom, tal
qual a terra. Admirando-se durante algum tempo, diz a si mesma:
-De que vale mudar minha cor, se continuo a pensar como antes? Meus dissabores
são os mesmos, minha dor é a de sempre...
Tratou de banhar-se e continuou seu destino...
Enclausurada em seus devaneios, não percebe uma presença que avança.
É uma grande folha que cai sobre Lesmaton, cobrindo-a por completo.
Um tanto atordoada diz:
- Mas que destino o meu. Uma folha tão grande e saborosa, por que cai
assim, quase a me matar de susto?
Sem obter resposta, tudo escurece. Seu corpo se retrai instintivamente ao ser
tocado pela folha tão pesada. Faz um grande esforço para sair
da situação. Após algum tempo, resolve saborear bocados
da folha, diminuindo assim, seu peso e tamanho. Abre-se então, uma brecha
de luz por onde Lesmaton escapa lentamente, arrastando seu estômago pesado.
Após o incidente, segue seu caminho. Mantém seu rastro lento e
visível a quem quiser seguí-lo.
Torna-se toda paixão, no momento em que vê um raio de sol perdido
por entre as folhagens. Observa-o bem quieta e diz:
- Esse raiozinho, ainda criança, diverte-se com as folhas, balançando
ao vento astuto. O vento, senhor de si, sabe sempre para onde deve seguir. Já
o raio de sol, ainda pequeno, apenas se diverte no passar do dia!
Ninguém a retrucou em sua observação.
O Encontro
Lesmaton, nunca interferia na posição dos elementos da natureza.
Só moveu seu corpo, quando o vento se foi e o raio de sol esgueirou-se
para outro lado da floresta.
Rastejou mais algum tempo. Percorreu pouco do tempo que passou. Perdendo-se,
novamente, em seus absortos devaneios ao entardecer... Pensou:
-O sol está se pondo e com ele toda a esperança de encontrar um
amor e ser amada!
A primeira estrela surge no imenso céu, que cobre minha insignificante
existência. Sinto ainda mais solidão, quando outras estrelas brotam
no firmamento, fazendo companhia a ela, que não está mais só.
Sob o luar, nota o brilho de seu ser transparente e volta seu olhar para a lua,
dizendo:
-Como gostaria de chegar bem perto daquele astro prateado. Sentir seu perfume.
Rastejar sua superfície etérea. Traspassar seu núcleo.
Fecundar sua solidão...
Como ninguém ouvira sua observação, tratou de encontrar
um lugar onde dormir.
Chegou a uma gruta muito escura e acomodou-se.
Quase dormia, quando percebeu que não estava só. Um enorme pássaro
a observava, com grandes olhos redondos e brilhantes, na escuridão da
gruta.
-Quem é você, com esses olhos pregados em mim? - Perguntou, a lesma,
curiosa.
-Eu sou a coruja. Ouvi o que disse há pouco. Se quer chegar às
alturas, deverá em primeiro lugar, encontrar-se em terra firme! Ter em
mente o porquê de sua existência. Aceitar-se como é. Amar-se!
Lesmaton ouviu atenta o que disse a coruja e tudo compreendeu.
Continuaram a trocar ideias sobre suas existências, a respeito
da essência da vida, seus desejos...
Até que Lesmaton percebeu que nas costas da coruja havia mais alguém
e perguntou:
-Quem carrega em suas costas, coruja?
-É um amigo meu e conterrâneo seu. - Respondeu a coruja, arregalando
ainda mais os olhos redondos.
-Você tem nas costas uma lesma, como eu?
-Sim, Lesmaton. Não só é, como tem os mesmos desejos seus.
Pode-se dizer, até, que fazem parte uma da outra. Resolvi realizar seus
desejos. Venha aqui conhecer seu semelhante. -Disse a coruja.
Lesmaton, feliz, rastejou até o toco de árvore onde pousava a
coruja, subiu em suas costas e vendo seu semelhante, ajeitou-se a seu lado.
Eram idênticos!
Assim, a coruja, com toda sua experiência de pássaro, levou as
duas lesmas a voar na imensidão do infinito estrelado. Realizou o grande
sonho de Lesmaton:
Voar e ser amada!...