Talvez tenha assobiado em surdina o canto triste dos pescadores, para te relembrar.
Pouco a pouco, quando caminhava pelas ruas desertas, embrulhadas na noite, sentia
o teu cheiro e sentia o teu toque. Sei que não possível, pois
estás longe, não muito longe, mas longe desta cidade inóspita,
é algo estranho, algo invisível, algo meu. Nunca teu.
Da minha casa vejo os faróis que tentam penetrar a minha janela para
me ferir, as paredes estão ensopadas de memórias, melancolias.
Perdi tudo o que aprendi, não sei falar, perdi o equilíbrio, a
sanidade. Dia após dia, perco-me neste quarto onde desenhos e poemas
mortos são tudo o que resta de mim, de ti.
Sombras me acompanham, não trago nada teu junto a mim, nem uma carta,
nem uma fotografia amarelecida pelo tempo, pelo desgaste da minha alma. Trago
apenas o teu cheiro que me tortura todas as noites, o teu beijo pelo meu pescoço,
a tua ternura, os teus enormes olhos que me observaram, as tuas mãos.
As tuas mãos doloridas. Trago um pouco da tua dor que não queres
falar. Estás colado às palavras que guardas numa caixa ornamentada
com figuras que não conheces. Estás ali num lugar onde Ela estará
sempre presente. Não te posso tocar, não posso entrar em ti. Não
o permites.
Por vezes tenho tanto que te dizer, quero sentar-me no chão, encostar-me
no teu ombro e falar sobre os mares que conheci, os céus que sonhei tocar.
Falar de ti, falar de mim. Ler contigo histórias, poemas. O teu interior
intimida-me, fico em silêncio à espera que me digas :"Entra".
Quero ouvir as tuas palavras, quero que me digas tudo o que não sei.
Quero descobrir novas cidades contigo do meu lado. Quero descobrir-te num lugar
mágico.
Novas cartas vou escrevendo, a tua morada continua a mesma. Não sei
se as mando se as guardo. Se as enviar parte de mim também irá.
Abrirás as cartas e lerás tudo, por uma questão de respeito,
ou não. Guardarás numa gaveta e esquecerás das palavras
que te escrevi com amor. E eu, comecerei a ficar vazia
Ficarei perdida
no esquecimento, junto aos poemas que morreram aqui neste quarto gélido.
Um arrepio percorre-me a espinha ao lembrar-me do teu toque leve no meu pescoço.
Um sabor delicioso começa a fluir na minha boca, o teu.
Mostra-me todos os sítios bonitos que conheces e os que não conheces.
Mostra-me o teu mundo, ensina-me mil e uma palavras diferentes, línguas
diferentes. Mostra-me tudo aquilo que ainda não conheço.
Compreendo ou tento compreender que os nossos caminhos são em direcções
opostas, cidades diferentes. A febre aniquila me. Sinto-me, não me sinto.
As mãos vão perdendo a força e as palavras serão
inúteis.
Sobre as tuas mãos, sombras e pássaros brotam para me ferir.
Rasgam a minha pele e tu olhas.. Não dás conta o quão ferida
estou. E no meio deste silêncio ensurdecedor, dei por mim a existir num
beco sem saída.
O tempo não existe. Nunca existiu. Rasgam-se-me metáforas insidiosas, sujas
A escrita acabou. Que se foda o mundo.