A Garganta da Serpente

Lydya

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De longe eu te escrevo

(Lydya)

Estou longe, mãe. Muito longe, para lá das fronteiras que possas imaginar que existam, para lá do que sempre sonhei. Desde pequena que sonho viajar assim. Saltando de cidade em cidade, de país em país, conhecendo outras culturas, outras tradições, outras caras, outros sentidos, outras emoções. Ser de todos e de nenhum, pertencer não a uma cidade, aldeia, vila, mas sim ao mundo, e a todo ele sem excepção. Não estou sozinha, mãe, estou com ele. E sinto-me bem como nunca me senti.

Ambas sentimos o mesmo quando ele entrou na pensão e tu sabes bem disso. Os olhos negros e doces, o cabelo castanho claro caindo num emaranhado confuso sobre os ombros, a pele branca e o andar gingão, em tudo ele é parecido com o Sandro. Não digas que não, eu bem vi as lágrimas encherem- te silenciosamente os olhos quando o viste entrar com o ar de quem tinha acabado de aterrar o seu foguetão vindo da lua, procurando um lugar barato onde repousar.

Ele é demasiado parecido com o meu irmão, não é, mãe? E contigo também, não é? Nunca me explicaste porque deixaste repentinamente de te olhar ao espelho, mas eu sempre soube a causa. Não suportas ver os mesmos olhos, o mesmo cabelo e o mesmo semblante doce e meigo, todas estas lembranças marcadas na tua cara como cicatrizes que não consegues tapar. Eu nunca tive esse problema. Sou diferente, muito diferente dos dois. Tenho os olhos esverdeados e o ar rebelde do pai que nunca conheci. Não tenho o rosto doce que o Sandro tinha e por isso consegues encarar-me, pois o meu rosto não te faz recordar o dele.E talvez por isso nunca te tenha despertado nenhum tipo de sentimentos. Nem carinho quando ele era vivo, nem raiva depois de ele ter morrido. Sim, mãe, depois de ele ter morrido. Ele está morto, não finjas mais que não. Não te convenças mais de que ele foi viajar.

Ele sempre foi o teu preferido. Eu sei, tu sabes, ele próprio o sabia. Fez-te sempre falta uma figura masculina por perto, talvez pela ausência do meu pai, do pai que eu e o Sandro nunca conhecemos. E por isso, quando ele entrou na adolescência, obrigaste-o, à tua maneira autoritária mas suave, a assumir o controlo da família. Obrigaste-o a crescer depressa demais.

Sempre que eu me portava mal, o que não era poucas vezes, fazias com que fosse ele a dar-me o sermão merecido, a ralhar-me e a castigar-me. E ele fazia-o, sempre à tua altura, sempre tentando não te desiludir, mas eu conseguia ver a dor espelhada nos olhos dele enquanto me gritava e me repreendia. E houve uma noite, mãe, uma noite que eu e ele guardámos juntos, em que ele veio chorar perto de mim depois de me pôr de castigo. Tinha-lo feito repreender-me e mandar-me para o quarto de castigo porque, no meio de um dos meus solitários jogos de escondidas, eu havia partido um prato. E ele gritara comigo, guiando-me até ao meu quarto com uma mão cravada no meu braço, fechando a porta à chave enquanto eu chorava o meu choro de criança do outro lado. Fiquei a chorar, sem saber bem porquê, até que ouvi a chave rodar devagarinho na fechadura. Soluçando, limpei as lágrimas ao lençol da cama e vi-o, pé ante pé, aproximar-se de mim. Preparava-me já para recomeçar o choro, quando ouvi a sua voz hesitante pedindo-me para não fazer barulho. Senti medo e dor na sua voz. Puxei o lençóis da minha cama para trás e deixei-o deitar-se junto a mim. Ficámos os dois agarrados no escuro, debaixo dos cobertores, ele a chorar baixinho e eu confortando-o com o meu abraço.

Nunca ninguém soube dessa noite, nem nunca ele me falou sobre ela. Quebro agora o selo que eu e o Sandro criámos, mãe, porque me sinto farta da onda de hipocrisia que se gerou à minha volta depois dele morrer. Todos a perguntarem porquê ele, todos apontando o quanto feliz ele era e as razões que não tinha para ter feito aquilo, quando o obrigaram a crescer sem sequer lhe ensinarem como o fazer.

O Sandro morreu, mãe, e ninguém no mundo é capaz de o substituir, nem este rapaz tão parecido com ele. Mas ele devolveu-me a calma que há muito me havia habituado a não ter. Desde a morte do Sandro que o meu coração vive na angústia de te ver triste e sempre à espera que ele volte, de ver toda a gente lamentar a morte dele e chamar-me insensível porque não o faço. Mas será que isso o trará de volta, mãe?

Quando fez um ano que o Sandro morreu, todos vocês foram em romaria ao cemitério. Todos, sem excepção, todos os que o conheciam, até mesmo os professores e contínuos da escola. Foram todos menos eu. Doía-me a cabeça e a barriga, não dormira quase nada durante a noite e não queria deixar a D. Maria do Céu a tomar conta da pensão sozinha. E então disse-vos para irem sem mim. Com que cara ficaram todos! Resmungaram para dentro, criticando a minha insensibilidade. Até tu, mãe, até tu disseste que no coração eu tinha uma rocha, só porque nunca fui muito dada a choros nem a manifestações de dor.

Fiquei a ver-vos afastarem-se, excelentes actores e actrizes nos vossos papeis de carpideiras, agarrados uns aos outros, chorando e gritando no meio da rua. Mas o que me indignou mais não foi o facto de chorarem ou gritarem o nome dele, mãe, o que me doeu foi o facto de saber que muitos deles só o faziam porque achavam que parecia bem e porque queriam dizer mais tarde que haviam feito parte do grupo de sofredores pela morte daquele pobre rapaz, do meu irmão. Metade dos que seguiam naquele cortejo não sentiam sequer as lágrimas que choravam e foi isso que me enraiveceu. E não digas que estou a ser injusta, mãe, porque sei muito bem o que digo. Eu nunca fui como vocês, eu nunca insisti em ver o mundo em tons de cor-de-rosa como tu e o Sandro faziam.

Deixei de falar a metade dos colegas a quem anteriormente falava. Quando me agarravam no recreio da escola, contínuas, professores ou alunos, e me ofereciam a poio, carinho, ajuda psicológica para ultrapassar a morte do meu irmão, apetecia-me cuspir-lhes na cara. Falsos, hipócritas, cínicos, olhando-me e analisando como se analisa um urso feroz numa jaula. Muitos deles não gostavam de mim, muitos deles evitavam-me e condenavam o meu feitio reservado e rebelde, mas de um momento para o outro passei a ser o centro das atenções e passaram a desculpar o meu feitio como se eu fosse "uma jovem revoltada pela morte trágica de um ente querido". O ser humano é mórbido, macabro, e todas aquelas pessoas ficavam muito contentes por saber que quem tinha morrido era o meu irmão e não um dos seus parentes. Deliciavam-se nas nossas costas, nas minhas e nas tuas, com os pormenores da morte dele e, mesmo não fazendo perguntas, eu via a curiosidade macabra deles brilhando-lhes nas pupilas quando falavam comigo sobre o assunto.

O Sandro morreu há cinco anos, mas ainda ninguém o conseguiu enterrar. Nem tu, nem o resto da família, vizinhos, amigos, nem eu, porque vocês ainda não deixaram. Eu tê-lo-ia enterrado no mesmo dai em que o vi morto, caso não me viessem falar sempre com esses sorrisinhos de falsa e nojenta compaixão. Eu adorava e adoro o meu irmão, mãe, mas se ele morreu eu já não posso fazer nada. Contínuo a recordar os seus sorrisos, as suas brincadeiras e os seus olhares doces, e estes últimos cada vez mais, graças a este rapaz que um dia se lembrou de dormir lá na pensão.

Quando ele entrou, foi como se, por momentos, todas as vossas lamurias e os vossos lamentos tivessem acordado o Sandro do sono eterno a que chamamos morte. Foi como vê-lo, tantos anos depois, e só isso bastou para me apagar as saudades. Poderia eu não ter falado com ele, que continuaria feliz por uns tempos, sempre com a ideia de que um anjo mandara à terra o meu irmão fingindo ser outra pessoa.

Ele entrou e eu vi logo as tuas mãos tremerem mais que o costume, o teu rosto sempre amável fechar-se em si mesmo e as lágrimas tentando escapar dos teus olhos. Logo fui em teu auxilio e foi assim que fiquei a conhecer melhor o Zé Pedro. Mostrei-lhe o quarto, dei-lhe todas as instruções, sempre de uma maneira descontraída, porque sentia que estava a falar com o meu irmão. Ele contou-me a história dele enquanto eu lhe preparava uma refeição na nossa cozinha e ainda hoje me lembro de tudo o que disse. Foram as palavras mais bonitas que ouvi toda a minha vida. Proferidas naquele doce sussurrar, ditas no calor daquela noite de Verão, sei que nunca as esquecerei. Foram elas que reavivaram a memória do Sandro dentro de mim.

Enquanto comia, o Zé Pedro varria a cozinha com o olhar. E os seus olhos pararam numa fotografia do Sandro que tu insistes em ter perto do fogão. Sei que estás a ler esta carta na cozinha, porque é o sítio onde te sentes mais confortável, onde sentes que tudo isso é teu e só teu, sem partilhar com ninguém, e também sei que agora, ao ler esta parte, vais levantar os olhos vermelhos de chorar e vais olhar para a fotografia. Vais pousar a carta na mesa, vais levantar-te, vais dirigir-te lentamente ao fogão e vais pegar na velha moldura de madeira pintada a verde onde, numa fotografia de há seis anos atrás, o meu irmão sorri com esse sorriso que não voltei a ver em mais ninguém senão no Zé Pedro. Vais pegar nessa última fotografia que o Sandro tirou e vais chorar agarrada a ela, até não teres mais forças, e então vais voltar a pegar nesta carta que te escrevi.

O Zé Pedro observou durante uns minutos a fotografia, até perguntar, com a simplicidade e inocência de uma criança, quem era o rapaz na foto. Acordei desconfortável da hipnose em que a sua voz me havia deixado e desviei o assunto. Fi-lo acabar de comer, acompanhei-o ao quarto, despedi-me e fui-me deitar sem lhe responder à pergunta, sem saber bem o porquê de não querer responder.

Mãe, a primeira a ver o Sandro morto não foste tu. Fui eu, embora nunca o tenha dito a ninguém. Queria guardar esse momento só para mim, a última vez que vi o Sandro, mesmo tendo sido nas condições em que foi.

Lembro-me desse dia como se fosse hoje. Eu estava a voltar da escola e preparava-me para o ajudar com o café e com a pensão. Sabia que tu tinhas saído para tratar de uns assuntos e não queria deixar o Sandro sozinho, no meio da confusão toda. Decidi entrar pelo café, mas dei com a porta fechada. "Volto já" dizia o papel na letra minúscula e certinha do Sandro. Encolhi os ombros e dei a volta para entrar pela porta da pensão. Esta estava encostada e lá dentro não se via ninguém. A sorte é que essa terra onde moras, onde eu também morei, essa terra que tu insistes em chamar de tua, essa terra não é muito frequentada e todos se conhecem e, por muito falsos que sejam, nenhum era capaz de assaltar a nossa pensão.

Achei estranho estar tudo abandonado. Apesar de ser quase Verão, de os dias estarem cada vez mais quentes e apetitosos para passear e passar a tarde numa esplanada de café, não se via ninguém por perto. Subi até ao quarto dele, mas não estava lá. Fui à cozinha e foi então que o vi, pendurado pelo pescoço numa corda presa à trave do tecto. Tinha os olhos abertos, semelhantes a um enorme e gigantesco abismo, e a boca ligeiramente aberta, num esgar de quase loucura que me chocou. Atrás dele estava o banquinho onde estás sentada agora, mãe, o banquinho para onde ele subiu antes de assinar o papel da sua morte, ao qual estes cinco anos só acrescentaram mais algumas marcas e nódoas.

Naquela altura só consegui sentir medo, muito medo. Para uma miúda de doze anos era terrível chegar a casa e ver a pessoa de quem mais gostava morta, pendurada numa corda, com aquele esgar, e aperceber-se de que, por muito que gostasse das pessoas, isso não as ia proteger da tristeza, do horror, da morte. Sentei-me junto dele e fiquei ali, a chorar, olhando de vez em quando para o seu corpo morto, como para me certificar de que estava mesmo morto.

E então olhei para o relógio, alarmada. Já era tarde e tu não devias demorar muito mais. Não queria que me visses ali com ele ao lado, morto, tinha medo que, num acesso de raiva, me culpasses pela morte dele e me batesses. Toda a minha vida eu senti que não gostavas tanto de mim, mas que podia eu fazer? Presumo que todas as famílias têm a sua "ovelha negra", portanto eu ia aproveitando os raros momentos de carinho que tu tinhas para comigo e ia vivendo a minha vida, tentando não dar muito nas vistas quando estava perto de vocês.

Movida por todo este medo que tu me obrigaste a ter, saí da pensão a correr e fui para a clareira da floresta onde nós os três fazíamos piqueniques quando eu era miúda. Fiquei lá o resto da tarde e gritei, chorei, berrei, descarreguei tudo à vontade porque sabia que ninguém me ouvia. Quando começou a escurecer decidi voltar.

Estava um grande aparato em volta da pensão. Ambulância, polícia, um monte de vizinhos reunidos e tu no meio, com o rosto transfigurado pela dor e pelo choro. Aproximei-me e fingi-me o mais surpreendida possível. E tu agarraste-te a mim, mãe, e, por entre soluços e lágrimas, contaste-me o que tinha acontecido. Mas eu não fui capaz de chorar e por isso me chamaste insensível, "dura e fria como uma rocha, és igualzinha ao sacana do teu pai". Afastaste-me de ti com um empurrão que me atirou ao chão e, enquanto todos se reuniam para te dar apoio, eu fiquei ali, sentada nas pedras da calçada, à espera que alguém me desse a mão.

Ninguém tem o direito de dizer que eu não sofri com a morte do Sandro, mãe. Ninguém! Não dou a ninguém esse direito, porque eu sofri tanto ou mais que tu, sofri muito mais do que todos os que foram ao cemitério no primeiro da morte do meu irmão. O Sandro deixou-me sozinha, com a morte dele deixei de ter alguém que me compreendesse, alguém com quem conversar. Fiquei sozinha, rodeada de gente com quem eu não queria ter o mínimo laço de amizade.

Eu sofri com a morte dele, mas não sou hipócrita nem falsa, e não achava necessário andar sempre pelos cantos a chorar, quando eu sabia muito bem que isso não o traria de volta. Eu perdera o meu amigo, o meu irmão, o meu confidente, mas não era a fachada sofredora que todos vocês adoptaram que ia mudar isso. A vida continuava, a vida continuou, mas todos vocês insistem em viver lenta e morbidamente a morte dele.

Depois daquela noite em que o Zé Pedro entrou na pensão, comecei a ter longas conversas filosóficas com ele. Emprestou-me livros, falou-me sobre o que o preocupava no mundo e na sociedade. Reeducou-me para a vida e abriu-me as portas para novos horizontes que só agora me atrevo a atravessar.

Mãe, eu lembro-me bem da tua resposta a quem gostava de ler e de reflectir. "Uma vida de trabalho é uma vida honrada" dizias tu "e esses intelectuais não fazem nada senão mandriar". Tentavas a todo o custo tirar-nos, a mim e ao meu irmão, algum mínimo interesse que pudéssemos ter nalgum livro, mas ele tinha-os aos montes guardados debaixo da cama, sem tu saberes. Esses livros trouxe-os comigo no dia em que decidi dar outro rumo à minha vida. Não valia a pena deixá-los aí, a ganhar pó debaixo da cama do Sandro, até seres tu a morrer e a deixar a casa a outros. Só aí iriam encontrar os livros e, provavelmente, deitá-los fora. Imensos livros de poesia, com os poemas mais lindos assinalados, ideias escritas nas margens, pequenos pormenores com que descobri quanto o Sandro gostava de poesia e que me permitem voltar a conhecer o meu irmão. Cada vez que folheio estes livros descubro um novo traço na personalidade escondida do Sandro, mãe, e tu não imaginas o que descobri até agora.

Ele era um rapaz brilhante, com uma filosofia de vida muito bonita. Eu sei que estas coisas de filosofia não te interessam, que para ti é tudo preguiça e vontade de não trabalhar, mas acredita que se lesses também tu o sentirias. Correm-me as lágrimas pelo rosto quando leio os rascunhos de ideias à margem dos livros. "A minha mãe e a minha irmã são as duas únicas estrelas do meu Universo. É por e para elas que vivo, creio que sou o pilar que sustenta estas duas esbeltas estátuas de ouro e prata.". O Sandro escreveu isto quando tinha treze anos, mãe. Eu tinha sete anos e tu quarenta, eu era uma miúda reservada que só encontrava um amigo no irmão, e tu ainda não estavas tão cansada, tinhas mais paciência, ainda não o mandavas ralhar comigo tantas vezes.

Foi a tua prepotência, o teu desejo de o tornar homem quando ele ainda queria ser menino, que o destruíram. O Sandro era uma boa pessoa, era um rapaz calmo e paciente, mas tu querias "dar-lhe fibra". Querias torná-lo num homem duro, forte, impiedoso, mas o ser simples que ele era só queria o seu espaço para ler a poesia que tanto amava. Ele era frágil demais para ser arrancado ao seu mundo, moldado à força por uma mãe que ele amava de todo o coração, obrigado a servir de pai, no mau sentido, à criança que ele queria ver crescer alegre e a brincar. Ele via o meu mau génio e a minha rebeldia a crescer a cada dia, a cada hora, a cada minuto, e queria de certeza domar-me deixando-me viver livre e alegre. Mas tu querias-me uma senhora, com modos e boa educação, um modelo exemplar das regras de etiqueta.

Sabes o que penso? Que a morte precoce do meu irmão o veio livrar do rapaz duro e impassível em que o querias transformar. E, se assim foi, ainda bem que morreu com alma linda que tu querias destruir e não com o feitio que tu querias formar.

Acho que chegou a hora de terminar a carta. Eu sou a primeira a não querer levantar antigos fantasmas, mas tudo o que tu leste tinha que ser escrito, tinha que ser dito, tinha que sair do segredo em que vivia. Estes são os facto, mãe, foste tu que mataste o teu próprio filho a pouco e pouco. Desculpa dizer-to, mãe, mas é a mais pura verdade. Se eu estivesse à tua frente, se te estivesse a dizer tudo isto cara a cara, eu sei que já tinha levado um estalo. Mas esse estalo não me magoaria.

Com esta carta, eu sei que te reabri as feridas que pareciam fechadas. Reanimei a dor que adormecera dentro de ti. Mas com esta carta esclareci o porquê do que aconteceu com o Sandro e com ela selei a morte do meu irmão. Para sempre.

Não te preocupes comigo, mãe, eu estou a viver a maior aventura da minha vida e o Zé Pedro está a ensinar-me tudo o que o Sandro não teve oportunidade de ensinar. Eu quis vir com ele e ele aceitou-me perto de si como uma irmã e é assim que pretendo continuar até descobrir o caminho para onde o Sandro me queria guiar.

Estou deitada na areia de uma praia espanhola a escrever-te. À minha volta vejo toda a gente a aproveitar este fim de Verão. O sol está abrasador, o calor sufoca, mas esta carta devolveu-me a tão ansiada frescura. Quero que saibas que, com ela, não pretendia recriminar-te ou culpar-te de algo, apenas desejo que fiquem claros todos os segredos obscuros que guardei tanto tempo de mim. Não podia continuar a esconder tudo e, agora que te contei tudo, sinto que finalmente posso recomeçar a minha vida. Com a morte do Sandro as nossas vidas pararam, a minha e a tua, e ficámos ambas a flutuar perante a realidade que tu não querias nem me deixavas aceitar. Espero que com tudo o que te contei recomeces a tua vida, tal como eu estou a recomeçar a minha.

Eu estou bem, mãe, e espero que tu também o estejas. Não tenhas demasiadas saudades minhas, um dia hei-de voltar para ver como vai a tua nova vida.

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