Às vezes parece que é a caneta que vai à cata da mão
necessária para a história. O entregador já estava pronto
para sair quando notou sobre o primeiro endereço de entrega da manhã
seguinte a caneta brilhante. Que maneira! Su vai amar.
Ao lavar o rosto, ouviu uma voz abafada e quase ininteligível a custo
repetindo um monossílabo. Mastigou as palavras na gaiola do papagaio,
e um odor que lhe parecia adocicado juntou-se ao olhar cansado de carregar caixas.
Na escola perguntou à professora. Um silêncio dilatando-se entre
ambos. Será "dad", "pai", Salomão? É
isso. Deve ser. Faz oito anos que o bebum não dá em casa. Por
onde rola? Amazônia? Desenhou harpa e borduna. Gostava dela desde que
o professor explicara-lhe o sentido religioso. Sulamita gostava também.
Seria bom dar no Brancão até o sossego do sangue derramado. Ele
olhou pouco surpreso.
Vocês redigirão agora uma carta para o poder público denunciando
um problema grave que afeta a comunidade.
Os ossos do crânio na boca dum cão sarnento. Fica posando de bandido
só porque o irmão é bandidão. Mas tá lá
na tranca. Esse bosta agora tá ralado de verde e amarelo comigo. Já
falei com uns caras que querem pegar o Alemão lá dentro. Eu quero
ele anjo se arrastando até mim.
Sim, o uso de crianças pelo tráfico... Seu irmão foi preso
quando, Jó?
Esquece ele, Su. Não vale a pena. Sentiu novamente o aroma. Exasperou-se
com um formigamento que começava nos pés. Pediu licença
e foi ao banheiro. Lavava o rosto quando se excitou então com o cheiro,
e tanto a custo reprimia um forte entusiasmo que começou a rir.
Eis, então o grande Saloma... - uma voz familiar aproximou-se. Tá
com cara de quem ainda não comeu a Su. Sei que já... Sei que já
traçô. Salomão e Sulamita, que que poderia mesmo dá?
Cala sua boca, Jó. Vê se acha o Davi lá no pátio.
Não entrô ainda aquele puto...
Saíram os três garotos após a aula. Passaram novamente pela
construção abandonada lá no alto do morro. Deixaram-se
ficar olhando tudo do alto. No esticadão da tarde sem obrigações,
fumavam tranquilos. Jó, que que tá acontecendo entre você
e a Su? Mal notaram a aproximação de Brancão com dois manos.
Distinguiu então na figueira dessecando frutos o aroma excitante. Traíras
ao sol. Pensavam em tirar uma comigo porque meu irmão tá na tranca.
Deram crédito naquela putinha... Ei, bros, olha a caneta do cara. Onde
tu roubô? Não sou como tu! Pra quem tá no enrosco tu fala
grosso. Ei, ei, que tu tá fazendo com esse fio no pescoço? Não
é o da Sulamita? Era, velho. Como esta porra. E tu.
O sol ainda dardejou uma última cintilação sobre a caneta
de Rubem Fonseca.