A Garganta da Serpente
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O Aleph de R F

(Marco Aqueiva)

Às vezes parece que é a caneta que vai à cata da mão necessária para a história. O entregador já estava pronto para sair quando notou sobre o primeiro endereço de entrega da manhã seguinte a caneta brilhante. Que maneira! Su vai amar.

Ao lavar o rosto, ouviu uma voz abafada e quase ininteligível a custo repetindo um monossílabo. Mastigou as palavras na gaiola do papagaio, e um odor que lhe parecia adocicado juntou-se ao olhar cansado de carregar caixas.

Na escola perguntou à professora. Um silêncio dilatando-se entre ambos. Será "dad", "pai", Salomão? É isso. Deve ser. Faz oito anos que o bebum não dá em casa. Por onde rola? Amazônia? Desenhou harpa e borduna. Gostava dela desde que o professor explicara-lhe o sentido religioso. Sulamita gostava também. Seria bom dar no Brancão até o sossego do sangue derramado. Ele olhou pouco surpreso.

Vocês redigirão agora uma carta para o poder público denunciando um problema grave que afeta a comunidade.

Os ossos do crânio na boca dum cão sarnento. Fica posando de bandido só porque o irmão é bandidão. Mas tá lá na tranca. Esse bosta agora tá ralado de verde e amarelo comigo. Já falei com uns caras que querem pegar o Alemão lá dentro. Eu quero ele anjo se arrastando até mim.

Sim, o uso de crianças pelo tráfico... Seu irmão foi preso quando, Jó?

Esquece ele, Su. Não vale a pena. Sentiu novamente o aroma. Exasperou-se com um formigamento que começava nos pés. Pediu licença e foi ao banheiro. Lavava o rosto quando se excitou então com o cheiro, e tanto a custo reprimia um forte entusiasmo que começou a rir.

Eis, então o grande Saloma... - uma voz familiar aproximou-se. Tá com cara de quem ainda não comeu a Su. Sei que já... Sei que já traçô. Salomão e Sulamita, que que poderia mesmo dá? Cala sua boca, Jó. Vê se acha o Davi lá no pátio. Não entrô ainda aquele puto...

Saíram os três garotos após a aula. Passaram novamente pela construção abandonada lá no alto do morro. Deixaram-se ficar olhando tudo do alto. No esticadão da tarde sem obrigações, fumavam tranquilos. Jó, que que tá acontecendo entre você e a Su? Mal notaram a aproximação de Brancão com dois manos.

Distinguiu então na figueira dessecando frutos o aroma excitante. Traíras ao sol. Pensavam em tirar uma comigo porque meu irmão tá na tranca. Deram crédito naquela putinha... Ei, bros, olha a caneta do cara. Onde tu roubô? Não sou como tu! Pra quem tá no enrosco tu fala grosso. Ei, ei, que tu tá fazendo com esse fio no pescoço? Não é o da Sulamita? Era, velho. Como esta porra. E tu.

O sol ainda dardejou uma última cintilação sobre a caneta de Rubem Fonseca.

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