- Apodreça por aí, seu desgraçado!
E fechou a porta numa batida nervosa. Na cela, um corpo. Todo batido, ensanguentado,
sujo. Quase nu. Quase gente...
Dias se passaram. A mesma cela, a mesma penumbra, a mesma umidade, a mesma ração,
o mesmo "quase-gente".
Era uma tortura. A mais longa, a mais desumana, a mais temida. O cubículo
tinha, aproximadamente, dois metros e meio de comprimento, um e meio de largura,
e dois de altura. No teto, uma lâmpada de luz amarela e fraca e um interfone
para comunicação. Sem janelas. Sem esperanças. Sobre o
cimento gelado, um colchão podre e duro. Na porta, uma abertura pequena,
colada ao chão, era a passagem do prato, raso de comida. Fuga? Impossível.
Só isso... Só isso e aquele silêncio esquizofrênico
e aquele odor repugnante.
Mas isso não era a tortura... A tortura não era isso. O sofrimento
estava por começar.
Ele sabia. Ele sabia que o teto não pararia. Não, nunca... Num
movimento excessivamente lento, aproximar-se-ia. Era como um relógio
marcando a hora da morte. Ele podia até calcular. Um centímetro
por dia, aproximadamente... Dois metros... Certamente não passaria de
seis meses.
Era tempo para pensar, para enlouquecer. Era tempo de recordar a vida, os amores,
os ódios, as mortes... Lembrava-se das primeiras ideias de revolução,
dos primeiros amigos revolucionários. Sonhava com aquelas reuniões
em quartos escondidos na cidade... Sonhava com os sonhos de liberdade e igualdade.
Todo fim do dia, o interfone perguntava: vai contar? O silêncio era a
resposta. Não. Ele não queria prejudicar os amigos.
A cada dia um centímetro. A cada centímetro, menos lucidez, mais
desespero, mais medo.
Passado o primeiro mês, já não conseguia ficar totalmente
em pé. Sua mente ficava mais confusa. Começava a pensar num meio
eficiente de suicídio. Sabia que a morte seria fatal. Só queria
sofrer menos...
Dois meses. Pediu papel e caneta para o interfone que perguntava. Começou
a escrever. Começou assim:
"Diário de um morto
Não importa que dia é hoje, que horas são e qual é
o meu nome. Estas coisas são para vivos. Eu já estou morto.".
Quase não havia lugar para ele. A cela estava infestada de insetos
que se nutriam dos excrementos.
"Quando olho para estes pequeninos seres que ajudei a desenvolver, sinto-me
como um grandioso pai. Cada defecada que dou é um ato de amor. Estou
alimentando dezenas de vidas. No entanto, frustro-me. Não consigo diferenciar
um filho do outro. Acho que eles nem merecem, pois não devem considerar-me
como pai. São mal educados: atrapalham meu sono e estão matando-me
com doenças. Alguns foram embora, junto com o prato de comida. Estão
livres! Mas a maioria deles fica aqui, comigo... Companheiros de cela..."
Escreveu regularmente durante um mês, aproximadamente. Estava quase
morto. Febre, feridas, dores, gemidos... Realmente o carcereiro acertou quando
disse: apodreça por aí, seu desgraçado.
"Diário! Hoje nos salvaremos! Vamos começar vida nova. Mandei
o Tim avisar a turma. Ele saiu com o prato de ontem. Acho que já deve
ter chegado. Grande Tim... Foi o mosquito mais legal que conheci. Agora, é
só contar onde é o esconderijo e pronto: liberdade!".
Pobre ser. Seu cérebro também apodrecia. Nesse mesmo dia contou
tudo para o interfone. Logo que acabou:
- Então? Pode me libertar!
- Quem disse em liberdade? - tremeu vigorosamente o diafragma do alto-falante.
- Mas, mas...
O teto descia rapidamente. O barulho das engrenagens abafava os berros de misericórdia.
Em poucos segundos, teto e piso colados. No meio, feito massa de pastel, mais
um revolucionário.