Juninho era mais menino no país do futebol. E todo brasileiro nasce com
uma certa intimidade com a bola. Uns mais outros menos, e Juninho não
fugia a regra. Foi além. Ele sempre mostrou um carinho fraternal com
a pelota, desde pequeno ela foi sua melhor amiga e aliada, ela fazia tudo que
ele ordenava. No colégio e na rua onde morava, era uma disputa voraz
para ver em que time Juninho jogaria. Ele fazia o diabo com os outros meninos.
Quem via de fora dizia que era humilhação, mas não era,
ele só sabia fazer isso...Os inúmeros chapéus, lambretas,
elásticos, dribles-da-vaca, já não irritavam mais o pessoal.
Eles já haviam se rendido ao futebol-arte do Juninho. Mas ele não
era apenas um moleque driblador. Ele passava, lançava e marcava gols
com a mesma maestria de seus dribles. Ele era sempre o dono do jogo, chegando
a virar lenda, pois as más línguas diziam que ele tinha pacto
com o demônio. Pura mentira. Aquilo era um dom divino, que nem a inveja
mais ferrenha podia abalar.
A adolescência chegou e a paixão de Juninho pela a bola continuava
explícita. Ele começou a disputar alguns campeonatos existentes
na região, ganhou muitos, perdeu poucos, e sempre era lembrado ora como
melhor jogador,ora como artilheiro. Todas as pessoas que o viam jogar, se encantavam
com o futebol atrevido de Juninho e sempre lhe perguntavam:
- Por que você não faz um teste nesses grandes clubes? Você
tem talento.
Por que não tentar? Ele até poderia, mas havia um problema: seu
pai queria que ele seguisse a carreira militar. Era o sonho dele ver o filho
seguindo os passos que ele não pode seguir. Mas Juninho não queria
isso. Ele queria ser um craque do futebol, igual a Rivelino, o seu ídolo.
Seu maior sonho era marcar um gol em um Maracanã lotado com a camisa
do Fluminense, seu clube de coração. Depois ir para a seleção
brasileira, uma copa do mundo e a glória como jogador. Juninho se emocionava
só de imaginar... Em casa ele contava suas conquistas para sua mãe
que o apoiava e escondia todos os troféus e medalhas da tirania do pai
de Juninho, que considerava jogador de futebol maconheiro ou vagabundo.
Dezesseis anos. Mais do que na hora do mundo conhecer Juninho. Todos já
o admiravam e vários olheiros já foram lhe observar e lhe fazer
propostas, mas Juninho as recusava com uma dor no coração. Até
uma proposta do Fluminense, ele recusou. E todas essas recusas afetavam o temperamento
dele, que sempre chegava triste em casa. Às vezes a vontade de jogar
bola fugia, só pra ter que recusar mais um pedido de algum olheiro pra
fazer um teste. A mãe de Juninho, vendo diariamente o sofrimento de seu
filho, resolve intervir e perguntar:
- O que está havendo meu filho?
- Estou cansado de recusar propostas pra jogar, mãe! Eu quero ser
jogador, quero jogar no Maracanã, ser um craque!
- Eu sei disso meu filho, mas seu pai é que se opõe...Você
sabe o que ele quer pra sua vida...
- Mas eu não quero isso!
A mãe de Juninho faz uma cara de lamentação, mas em seguida
tem uma Ideia que logo é repassada ao seu filho:
- Filho, você vai fazer um teste para um, clube e se você passar,
prometo ajudar você a convencer o seu pai.
- Sério?
A mãe de Juninho afirma com a cabeça e o garoto abraça
sua mãe radiante. No dia seguinte marcou um teste no América,
o clube mais perto de sua casa. Dois dias depois foi ao campo do alvirrubro
e começou jogando como ponta-de-lança. De início ele ficou
nervoso, algumas jogadas não saiam, mas aos poucos ele foi se soltando
e simplesmente arrebentou. Passes precisos, dribles desconcertantes, um gol
magnífico, onde driblou dois marcadores e tocou com destreza na saída
do goleiro e um passe milimétrico para o outro gol. Uma atuação
digna de um craque. O técnico do juvenil do América ficou encantado
com a atuação de Juninho e logo que acabou o treino veio lhe falar
reservadamente:
- Garoto, amanhã mesmo você começa a treinar. E se continuar
assim, logo te coloco nos profissionais.
Juninho estava em êxtase. Seus sonhos estavam agora muito próximos
de se realizarem, ele já se imaginava nos profissionais, jogando o campeonato
carioca de oitenta, jogando pelo o América, ele teria que enfrentar,
Flamengo, Botafogo, Vasco e o tricolor do seu coração, mas ele
teria que ser profissional, e ele faria questão de ser... Imaginava os
grandes confrontos com os zagueiros mais temidos, os duelos com os craques da
atualidade, tudo isso vinha um turbilhão na mente de Juninho. Agora só
restava contar a boa notícia para sua mãe e pensar em uma maneira
de convencer o seu pai. Sua carteirinha de atleta do América agora era
o seu mais valioso troféu para o nosso futuro craque.
Finalmente, ele chega em casa. Juninho entra feito um raio à procura
de sua mãe, gritando:
- Eu passei!Eu passei!
- Passou no quê?
Era a voz de seu pai perguntando sentado na poltrona, com o jornal na mão.
Juninho não esperava seu pai em casa tão cedo. Todo o plano foi
quebrado e tinha q ser refeito em uma fração de segundo. Juninho
então esperou sua mãe chegar, para ter alguma defesa diante de
seu pai tirano. Ela surge e coloca a mão em seu ombro em um sinal de
apoio. Juninho, mesmo hesitante, resolve comunicar seu feito ao seu pai:
- Eu passei em um teste que fiz no América, vou jogar de ponta-de-lança,
igual ao Rivelino. - Juninho mostrou a carteirinha.
- Me dá essa carteirinha.
Juninho receia um pouco e olha para a mãe. Ela balança a cabeça
em sinal de apoio e ele entrega ao pai. Ele analisa a carteirinha minuciosamente
com seu olhar contestador. A mãe de Juninho tenta argumentar:
- Dá uma chance ao menino, ele quer ser tanto jogador de futebol...
O silêncio imperou naquela sala em seguida. A expectativa tomou conta
de Juninho que evitava respirar de tanta ansiedade, era aflição
para um garoto. O futuro dele está em jogo ali, nas mãos de seu
pai. Será que ele será condescendente com ela, cederá aos
apelos dele?
Juninho se espanta ao ver a carteirinha em pedaços. Seu pai a rasgou
impiedosamente, jogando os pedaços no chão. Juninho se desespera.
Sua mãe se surpreende com tamanha serenidade ao fazer o ato. O sonho
tinha sido destruído pelas as mãos opressoras de seu pai, que
impôs sua vontade mais uma vez. Foi inútil cultivar uma esperança
por tanto tempo, o seu sonho era menos importante do que o sonho de seu pai.
Juninho então foi ao seu quarto e desistiu de sonhar e acordar para a
realidade que seu pai impôs. Enquanto fechava a porta, ouve as únicas
palavras de seu pai a respeito sobre o futebol:
- Eu nunca vou admitir meu filho em um meio de vagabundos e maconheiros!
No dia seguinte, o pai de Juninho foi ao América pessoalmente desligar
seu filho do clube. Dirigentes e o técnico dos juvenis tentaram de todas
as formas convencê-lo do contrário, mas com sua rispidez do militar
frustrado que é, o pai de Juninho não fora convencido, conseguindo
atingir seu objetivo. Restou ao técnico dos juvenis apenas lamentar:
- Perdemos um garoto que tinha tudo para brilhar...
Juninho deixa como lembrança no América sua alegria de jogar.
Aos dezoito ele se alista e por ironia, seu pai falece seis meses depois de
um enfarto fulminante. Juninho fica um tempo servindo a pátria e depois
se desliga, desfalcando o time do pelotão. Ele continuava a driblar,
passar e marcar gols, mas seu futebol ficou triste, burocrático. Sua
alegria sumiu. Ela às vezes ameaça aparecer em algum lance de
efeito dele, mas ao errar a jogada, percebe-se que ela nunca voltará.
O tem pó foi passando, ele casou, teve filhos e foi gradativamente se
afastando de sua amiga bola. A amizade havia sido desfeita. E junto com ela
a trajetória de um garoto que tinha tudo pra brilhar, mas não
brilhou.