Linda, doce e cara Srta. Édith Giovanna Gassion . Tenho ouvido com
muita frequência e atenção suas canções. São
realmente lindas, apaixonantes e demonstram com uma precisão cirúrgica
todo meu sofrimento, toda a minha vergonha secreta de não conseguir conquistar
um amor.
Um grande amor é o que eu queria. Na verdade, escrevo-lhe para agradecer
por expor as minhas dores ao mundo, pois não tenho coragem, tampouco
possuo esse seu talento, para materializar de forma tão sublime a arte
de cantar a dor do amor. Sua música é como se fosse uma pintura
impressionista. Soube que fostes chamada de "petite môme" ... que
ironia, para uma voz tão forte e tão rasgante.....
Claro, que fico muito feliz em receber sua resposta... jamais imaginei que
a Srta. pudesse notar a existência desse fã apaixonado por sua
arte.
Quanto à sua curiosidade... bem, eu fui uma criança esperta e
inteligente, pois tudo o que fazia, as pessoas achavam chique. Achavam chique
o jeito que eu cantava, como tocava violão e como me saía bem
na escola e nos esportes ("malgrée toute l´histoire du pied
gauche" ) e a forma de eu conversar com papai em italiano, com as vogais
assim bem abertas.
Quem sabe Mère Annetta , conversava contigo em italiano?
Mas essa criança, o que na verdade ela achava chique, era ter um amor.
Um amor que se transformasse a cada instante. Que, a cada instante que pensasse
e sonhasse com seu amor, ele torna-se-ia maior.... assim como lá longe,
onde o céu e o mar se encontravam, lá longe onde as estrelas se
tornavam um pontinho de luz.....
Isso sim é que seria ser chique !
Se eu pudesse encontrá-lo, viveria a ventura daquilo que ouvia dos colegas...
seus beijos nas lindas garotas que povoavam meus sonhos, dos amores entre uns
e outros, das conquistas, das surpresas de saber-se preterido quando julgava-se
escolhido, da não-coragem de não ter o que contar.
"Pardalzinho", me desesperava a cada história ouvida e que
imaginara pudesse ser eu o protagonista, e a cada choque de saber das conquistas
que não fiz, dos beijos que não tive e dos carinhos probidos que
não conhecera.....das viagens que não participei, dos lugares
que eu ouvia contar, com uma grande ponta de inveja no peito... me imaginava
com seu talento para cantar toda essa dor resfolegante no peito.... ai quem
me dera ter seu talento...
Diziam-me que fulano era lindo e rico....mas que não tinha conteúdo.
Eu ria-me e dizia-me que preferiria seu vazio existencial a ser assim inteligente
e atormentado.... e desprezado.
E as lembranças das praias que nunca fui ? E as fotos coloridas (que
mistério!) dos coqueiros, das pernas desnudas, dos seios semiexpostos,
das provocações que elas acordam.... como será observar
um coqueiro, um banho de mar com a pessoa amada ? Huuumm, que chique seria guardar
essas lembranças como afetos ressuscitados....??? Hhuum que chique, que
gosto maduro de sol e sal, nos lábios que nunca beijei numa praia.....
Ah....Mas isso é que seria chique. O agradecer murmurado após
um beijo inocentemente cravado nos lábios de seu amor, o poder agradecer
a ventura de conhecer o toque nos cabelos, as promessas de puxar as estrelas
do céu e construir um tapete macio para que seu amor pisasse.. Obrigado
pelos conselhos "du pauvre Jean" e pelo hino
que me ensinastes...
Deixe-me dizer te que já conheço esse sentimentos, de forma bastante
especial.
Teve o primeiro, a Annamaria. Assim mesmo, uma palavra só. Linda, com
seus cabelos ruivos esvoaçantes, ruidosa ao gritar a meu pai "buon
giorno!" , quando passávamos em frente à sua casa. Minha
primeira paixão, que beijei tantas vezes nas noites esteladas, nos carinhos
trocados em segredo, nas cartas que eu recebera.
Mas as cartas, eu as sabia de cor... eu mesmo as escrevera para mim, com milhões
de beijos no fim, com promessas de amor eterno. Os beijos, minha imaginação
me deram, os carinhos foram sonhos sonhados na solidão.
E se ela soubesse o quanto de amor inocente havia aqui na parede de meu coração,
não desviaria, tão ostensivamente, o olhar de mim, não
insistiria, em voz alta e estridente, quando eu estava por perto, em dizer que
achava lindo homens de cabelos loiros, que odiava esportes e música...
E houve outras, a Rita, a Raquel, a Heloísa, a Selma,... ad infinitum,
todas inatingíveis, inalcançáveis... intocáveis.....
Nem você, Pardalzinho, pode imaginar que, ouvi hoje, repetidas vezes
seu hino e os seus conselhos.... Como será a ventura de sentir esse frêmito
do corpo da pessoa amada sob minhas mãos, quando o amor inunda as minhas
manhãs? Será Édith que, de verdade, em outra vida o amor
permanece assim tão imutável ? Édith, você poderia
cantar para mim, o sentimento de impotência de não ter tido a chance
de fazer parte do passado de todas, ou nenhuma delas ? De não ter sido
o artista principal de qualquer acontecimento marcante de suas vidas ?
Saber que um dia o futuro virá, e não não serei nada para
elas, nem uma mancha de nanquim num pedaço de vestido, nem a sombra de
um vestígio de saudades no peito de cada uma delas.
Elas se lembrarão dos Josés, Antonios, Carlos, Paulos, Luizes...
e de mim que nem cheguei a tocar a alma de nenhuma delas....?
Não serei nenhuma lembrança no fundo de uma gaveta, num traço
distraído numa folha de um caderno escolar ou numa régua ou numa
capa de disco ou numa dobra de um porta lápis... ahhhh como eu queria
conhecer essa sensação de fazer parte do passado de alguém...como
ser uma saudade tocada num rádio ?
A eternidade será mesmo daqueles que se amam? Gostaria que alguém,
num futuro distante, relesse em suas dobras de memórias, e se perguntasse
de mim, e da lembrança de que um dia fui, e a lembrança doesse
até matar... e que ela relesse meu nome com aperto no coração....
Eu, Édith, acho que nunca, nunca isso acontecerá. Mas sei que
em breve você vai cantar uma canção que fale assim, mesmo
que eu nunca te peça... e já nos prometemos nunca nos pedirmos
nada um ao outro... porque senão, você teria que atender as dores
do mundo todo, como se não bastassem as nossas....
Édith, você me revela que o espelho é seu inimigo.....sinto
o mesmo! Ahhh esse inimigo o espelho... Por quê ele não mostrava
àquelas por quem eu me interessei, toda a minha beleza interior ?
Por quê ele não refletia meu lirismo, a forma de decorar as poesias
que julgava fossem interessá-las, as músicas que cantava para
mim mesmo, e que falavam de um amor incessantemente grande, ardoroso, único,
eterno e imutável? Por quê, ele insistia numa imagem que eu me
colocava como estranha... mas eu não sou só isso... por quê
a insistência de não revelar o meu oculto ?
Eu procurava encontrar uma brecha no vidro, para essa bela imagem pudesse fluir
e alguma mulher a encontrar....mas não.... o espelho sorria para mim.....e
a imagem platônica não surgia. Mas o inimigo acabou tornando-se
amigo... a cada desilusão juvenil, a cada tropeço na busca do
amor, a imagem se tornava mais amiga... mais reconhecidamente amiga...e mais
exigente com seu refletido. Mas a dor de reconhecer que a reflexão daquela
imagem pudesse ser mais bela era forte.
Uma boa conversa com o mais íntimo dos amigos pode não ser tão
boa quanto a conversa com o espelho. Aquele feri-te ao ocultar-te algumas coisas
mais profundas, pois existe o medo do ferir, que é maior que o de ajudar.
Ahh... o espelho não
ele é transparente e te aponta tudo:
defeitos, erros, mentiras, fracassos...
Te agradeço de coração a sua nova canção
que ouvi ontem.... Agradeço de coração..... Obrigado por
ela. Chorei muito ! Essa música Édith, tornou-se minha amiga íntima
no encantamento do amor impossível e doído, e me respondia, que
o amor faz chorar, faz sofrer, é uma triste maravilha. Que quando se
o perde, chora-se, sofre-se e fica-se numa imensa dor....definitivamente, amor
rima com dor.
E te devolvo a pergunta.... Prá que serve o amor ? Mas isso sim, seria
ser chique... ai meu Deus... provocar em alguém a sorte de ser lembrado,
ser capaz de fazer alguém lembrar-se de mim, numa noite de inverno..
Seria mesmo, muito chique, ser desejado, ser cobiçado, ser necessário,
ser amado...isso sim.... a glória !
A criança ainda hoje, continua pensando o mesmo.... que o amor é
mesmo chique... mesmo que ainda não tenha como provar toda essa "finesse
déchirante" .... ah! Édith minha amiga...me ensine....
Agora, como fazer para provar essa dádiva, esse mel eterno, essa vontade
delirante de ser objeto de amor ? Como faço para ter uma história
para contar ? Onde devo ir, a quem buscar para conhecer a decepção
da perda do amor conquistado ? E a ventura de poder cantar com a nossa amiga
Ella , feia, sofrida, talentosa..... que você é tudo e todas
as coisas que possuis são minhas....você é um anjo que ilumina
as estrelas... numa sufocante inquietude de uma tarde, tudo seu é meu....
Isso sim...seria chique...!!
Mas não, o secreto silêncio de mim mesmo não me permitiu
que o amor nunca chegasse....mas não importa. A busca do amor é,
no fundo, chique, pois você Edith, me ensina que devo esperar pelas suas
palavras proféticas..
"Era você quem eu queria
Era de você que eu precisava
Eu te amarei pra sempre
E a isso que serve o amor."
Olhe minha querida amiga.
Me encantei com teu recado. Você cantou isso para mim... um dia quem sabe
eu consiga cantá-la para alguém ? Será que consigo um dia
? Para dizer que tudo que passei foi necessário para dar o valor ao amor
em toda sua plenitude..... que ele se supera em todas as limitações
que se autoimpõe... que aprendi a perdoar, a viver o rotineiro dos dias.
Os Bee Gees .... que pena que você não os tenha conhecido! Com
eles enfim, aprendi a esperar o meu amor e a construir a espera de alguém
já que é impossível remendar um coração por
mais que esteja quebrado... Édith...Eu tenho tanto amor a dar ! Leve
essa minha carta a alguém que você conheça e que queira
receber o maior amor do mundo !