Asno! Chamavam-no assim maldosamente só porque ele era muito feio e não
conseguia competir com seus colegas puros-sangues de famílias tradicionais.
O mundo todo parecia cobrar-lhe o que ele não possuía. Olhavam-no
de lado e cochichavam apontando indiscretamente seus defeitos. Se eles soubessem
a dor que isso lhe causava... Cada palavra, cada sorrisinho disfarçado
pareciam facas cortando-lhe o coração e o orgulho. Ele fora criado
numa grande fazenda para órfãos no interior.
Ele fugiu da fazenda e andou pela cidade grande com um saco de viagem nas costas.
Suas orelhas eram maiores do que o normal - era muito peludo e tinha uma cicatriz
de uma queimadura numa das pernas. Namorada? Nem pensar. O que mais podia fazer,
senão carregar no lombo sofrido o fardo da incompreensão humana.
Por muitas vezes fora açoitado pela pobreza de espírito de alguns
que cismavam com ele, obrigando-o a seguir adiante, pois não o queriam
por perto. Cansado de perambular pelo mundo, jogou no chão o fardo que
carregava e resolveu refazer sua vida numa cidadezinha. Apesar dos protestos
do povo, ele usou a força da sua teimosia e ninguém conseguiu
tirá-lo de lá. A sua aparência não lhe importava
mais. Compreendeu que não precisava carregar o fardo dos outros para
ser querido e aceito na sociedade. Bastava-lhe carregar o seu e tirar proveito
disso em seu benefício. Para isso, teve que abaixar as orelhas e concordar
em trabalhar com um fotógrafo do lugar que lhe fez uma proposta. Aceitou
vestir-se com roupas coloridas e usar maquiagem para melhorar a aparência,
coisa que chamou a atenção das pessoas a ponto de todos, principalmente
as crianças, quererem tirar fotos com ele. Até lhe acariciavam
as longas orelhas e o chamavam carinhosamente pelo seu primeiro nome: Burro.
Burro sorriu e deu um relincho para impressionar a garotada e atrair mais gente,
afinal estava lucrando muito com esse emprego. Nunca tinha comido tão
bem. O seu salário então era uma cesta cheia de cenouras e de
feno fresquinhos, que levava para seus aposentos todos os dias e fazia um suco
de clorofila, que mais tarde patenteou e acabou ficando rico de tanto sucesso
que fez no mercado. Depois, resolveu mudar o seu nome no cartório acrescentado
o apelido final: "Inteligente". Passou a chamar-se então de
Burro Asno do Feno Inteligente. Até o funcionário do cartório
ficou revoltado com a família que lhe dera esse nome e repetiu várias
vezes: "Quem lhe deu esse nome: Burro Asno do Feno"? Justo para alguém
como o senhor que agora é tão poderoso no mundo dos negócios
rurais e com uma personalidade tão forte?
O agora senhor BAF Inteligente respondeu-lhe: o dono da fazenda que me criou
sem estudo...