Uns colegas muito unidos, alguns mais refinados de tez clara e outros mais toscos,
morenos e com músculos integrais conversavam acalorados, quase brigando,
sobre o trabalho que realizavam juntos naquela cozinha industrial.
Os refinados resolveram separar-se e foram para outro departamento, onde trabalhariam
o cozimento de uma maneira mais rápida e com pouca água. Enfrentariam
o desafio de ficarem juntos e soltos ao mesmo tempo, senão, o patrão
os mandaria para a rua dentro de um grande saco de plástico preto (é
o que diziam às escondidas).
Os colegas morenos desconfiavam que os refinados não fossem dar conta
do serviço, pois eram muito pálidos e desnutridos. Então,
os morenos, por serem tão íntegros e fortes, resolveram ajudar
os refinados. Para conseguir esse feito, atrasaram a produção
com a desculpa de demorarem mais para cozinhar e também por serem mais
cabeças duras e insistirem em fazer o trabalho à moda antiga.
E... Conseguiram. A manobra dos operários morenos deu certo - ainda mais
quando os refinados apareceram sem jeito pedindo-lhes auxílio - pois
o plano deles escorrera sem vitaminas e completamente descascado pelo grande
ralo da pia industrial.
Refinados e morenos, setores a, b e c, operários das hierarquias um,
dois e três e tantos outros, deram-se as mãos corajosamente e submergiram
seus corpos suados pelo vapor da fornalha no grande tonel cheio de temperos
agressivos, onde teriam que absorvê-los para depois liberá-los.
Em parte o plano funcionou, porque muitos conseguiram soltar todo o sabor nos
pratos que vinham girando sem parar nas mãos das máquinas, um
atrás do outro. No entanto, os refinados não aguentaram.
Mesmo com a ajuda dos colegas, eles ainda precisavam de mais forças para
realizar aquele serviço, pois de tanto trabalhar sem roupas de segurança
tinham perdido até as cascas que os protegiam e devido a isso se desfizeram
no tonel. Foram logo dispensados como acidente de trabalho. Dizem que alguns
saíram da cozinha embalados em grandes sacos de plástico preto.
Já os morenos, foram os escolhidos pelo controle de qualidade industrial,
pois não se desmancharam no exercício da função
e, depois, na hora do almoço se apresentaram no refeitório experimental
ainda inteiros e perfumados com o suor dos temperos.
Esse fato espalhou-se pela grande cozinha e um grupo de estagiários escorregadios
não se conformou com o sucesso daqueles trabalhadores tão pequenos
e insignificantes, que conseguiram vencer unindo-se uns aos outros. Na verdade,
não era inveja, eles só queriam fazer parte daquela elite e aquilo
os fez babar de vontade. Daí, os quiabos se apresentaram como complemento
irresistível à liga milenar do arroz, misturando-se aos poucos
com os grãos e acrescentando seus atributos crocantes àquela tradição.
Surgiu, então, uma parceria de dar água na boca, mais conhecida
como quiabos fritos com arroz integral, ou como trabalho diversificado e nutritivo
em equipe.
A indústria ficou mais poderosa com os lucros obtidos e até resolveu
mudar o projeto da embalagem final, trocando os radicais sacos de plástico
preto por embalagens translúcidas. Só ficou uma dúvida
nos vapores que rolavam soltos pelos tonéis da grande cozinha:
- Será que as proteínas resistiriam às novas regras? Afinal,
tanto funcionários como patrões lidavam com algo muito importante:
a base alimentar do povo, a força do arroz refinado, integral, tipo exportação
e de toda a imensa diversidade geográfica que a terra brasileira oferecia.
Ideais são maravilhosos. Mas na prática, as coisas mudam:
O arroz no prato sucumbiu aos talheres e até aos palitos; os quiabos,
ao perceberem sua miserável e secundária situação
à mesa, soltaram a baba que ainda guardavam e resvalaram com sabedoria
do garfo de três pontas que os perseguia.