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Parece imitação de rua de Nova Iorque, mas o vereador Turíbio
Santos, que foi o autor do projeto de lei que mudou o nome da rua Coronel Sebastião
Neves para rua 13, explicou que era uma homenagem aos treze soldados brasileiros
que morreram na batalha de Santa Cruz.
Mas o que importa nesta história não é o nome da rua, e
sim que eu fui morar lá, no prédio número 81, mais ou menos
na época em que o presidente dos Estados Unidos tinha renunciado em meio
a um terrível escândalo de corrupção. Cito este acontecimento,
porque foi através de uma conversa relativa a este assunto que eu conheci
as duas moças que moravam no apartamento vizinho. Elas eram dolorosamente
bonitas. Uma era branca, loura e lânguida. A outra era uma morena escultural,
com trancinhas africanas, olhos rápidos. Eu sempre via a loura lendo
jornais na cafeteria Guanabara, que ficava na esquina, onde eu também
gostava de ir para tomar um café expresso. Ela gostava de ler a Folha.
No dia em que os jornais publicavam os artigos referentes ao escândalo
da Casa Branca, eu, vendo que ela punha de lado seu jornal, perguntei se não
podia emprestá-lo a mim. E pus o meu jornal à sua disposição.
Ela gostou da parceria e alguns minutos depois estávamos tomando conhaque
e discutindo política internacional. O nome dela era Sônia e a
outra moça chamava-se Andreia. Não teve pudor de admitir
abertamente: "somos casadas". A sua coragem era tão pura, que
me tornei imediatamente um admirador. Neste dia, ela usava jeans azul e uma
blusa quase transparente. Tinha seios grandes e redondos, com mamilos pontudos.
Daí em diante, eu batia ponto diariamente no café Guanabara. Acordava
às oito horas, botava uma roupa bacana e ia para lá. O que eu
queria? Eu sabia que elas eram lésbicas, mesmo assim todo o meu ser estava
concentrado na tarefa de ir para a cama com as duas, e fazer uma orgia com as
duas, e ter o privilégio de olhar as duas transando na minha frente.
O plano foi se formando da maneira mais espontânea e talvez por isso mais
poderosa possível. Primeiramente, fiz amizade com a loura, Sônia,
que era funcionária de uma organização não-governamental
inglesa com filiais em toda a América Latina. Passamos diversas manhãs
juntos na cafeteria, tomando conhaque e discutindo política. Aí
ela me convidou para jantar em sua casa. Tomei um banho e me apresentei com
uma roupa estrategicamente escolhida para a ocasião. Uma camisa com a
estampa do Bob Marley, Jim Morrison, Chê, Marighella, uma montagem muita
louca, que eu comprei num camelô-hippie que fazia ponto na Lapa, antes
do prefeito proibir o comércio informal no bairro.
Andreia atendeu a porta, vestindo um shortinho tão apertado que
me fez ter uma espécie de bloqueio mental e não consegui pronunciar
nenhum "Boa Noite" ou "Tudo Bem". Mas ainda tinha os gestos,
então balancei positivamente a cabeça para indicar que estava
muito bem obrigado e ela me indicou um sofá, no qual me lancei com sofreguidão.
Quando ela se virou e foi em direção ao bar, encher para mim um
copo de uísque, verifiquei perplexo que ela possuía um pequeno
rabo de diabo com aquela ponta de seta e tudo saindo por um buraco do short.
Meu sangue gelou e quase gritei quando ela se virou e perguntou se eu queria
gelo. Disse que sim e esperei que ela trouxesse o copo para pedir uma explicação.
Foi quando ouvi as risadas de Sônia. E logo depois as risadas de Andreia.
Tinham me pregado uma peça. Andreia destacou o rabo do short e
o arremessou em cima de mim. Comecei a rir, um pouco constrangido, mas, depois
de um gole decisivo que secou o copo, relaxei e pus-me a rir desbragadamente.
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Foi uma noite memorável. Não fizemos a orgia, mas bebemos e conversamos
e rimos e nos tornamos grandes amigos. Andreia contou-nos suas aventuras
como guia turística. Tinha histórias de fazer um sujeito engasgar-se
até a morte de tanto rir. Sônia explicou os objetivos de sua ong
e o papel dela na instituição. Do meu lado, expliquei o que eu
fazia na época: eu era uma espécie de ghost writer, quer dizer,
escrevia monografias, trabalhos de faculdade, discursos para políticos.
Era uma profissão totalmente mercenária, mas que me permitia pagar
o aluguel, a alimentação, o cinema e as bebidas. Que mais eu queria
da vida?
A única coisa que me incomodava era a impressão maluca de que
havia mais alguém na casa. Às vezes, parecia escutar um ruído
em um dos quartos. Uma vez, olhando um espelho que havia no corredor, pensei
ter divisado um rosto que me espiava assustado. Em determinada hora da noite,
já bêbado, perguntei inocentemente se havia mais alguém
na casa. Sônia, que tinha um sorriso etílico preso à seu
rosto, ficou séria de repente. Aí voltou a sorrir, um pouco falsamente
no início, mas logo depois não havia mais nenhum traço
de preocupação em seu rosto. Ela sabe mentir, pensei, entre apreensivo
e excitado. Mas eu tinha visto a pedra cair e estremecer as águas geladas
daquele lago. Minha intuição me dizia que havia alguma coisa de
errado no ar.