João Nabuco era desses homens de meias-palavras. Quase não falava.
Às vezes nem era perceptível sua presença. Os psicólogos
o definiriam como introvertido ou introspectivo. Solteiro, morava num barraco
no Morro da Formiga.
O barraco era pequeno e só possuía um colchão surrado,
uma pequena mesa, um fogão de duas bocas e uma geladeira velha, que não
funcionava mais. Em uma das paredes feitas de madeira e latas de óleo
abertas havia um folheto com a imagem de Nossa Senhora Aparecida pendurado.
Ele trabalhava de pedreiro, mas além de ganhar muito pouco, ficava meses
sem trabalho e, consequentemente, sem renda. A vida era inconstante, pois sem
emprego, ia dormir com fome e acordava sem saber quando iria comer de novo.
O único consolo era a cachaça, companheira fiel nos momentos difíceis.
Tinha um filho com uma moça chamada Marinalva, que o enxotou de seu antigo
barraco por não conseguir colocar comida na mesa e se juntou com Negro
Tranca-Rua, respeitado e temido traficante.
Tranca-Rua, a pedido da mulher, não o deixava mais ver o filho ( que
já estava com quatro anos de idade) e ainda o ameaçava, dizendo
que se insistisse mandaria matá-lo ou até ele mesmo faria o serviço.
Com Negro Tranca-Rua não se brincava nem dele se duvidava.
Crime era coisa em que João não se metia. Questão de honra.
Nunca havia feito isso e sempre repetia com orgulho que para tudo se dá
um jeito quando a escolha é a honestidade. Mas a situação
estava difícil. Sem trabalho, sem dinheiro, sem mulher, sem filho, tinha
de tomar uma atitude.
Foi aí que um pessoal do morro, gente de assalto, o chamou para roubar
um banco, dinheiro alto. Já tinha tudo acertado, havia até proteção
de empresário grande para que tudo desse certo. Ele aceitou e deram-lhe
uma arma para que guardasse e a levasse no dia combinado para o roubo.
Chegou o dia e João estava nervoso. Andava sem parar dentro do barraco
e, de repente, parou e pegou a arma. Carregou demoradamente o tambor ( era uma
pistola calibre trinta e oito milímetros) e ficou olhando fixamente para
ela durante um certo tempo, como se estivesse hipnotizado.
João não tinha dinheiro para nada, nem para comer. Levou lentamente
a arma até seu rosto. Gostaria de voltar a trabalhar como pedreiro, mas
ninguém lhe dava o emprego. Abriu a boca, impassível, e colocou
dentro dela o cano do revólver. Tinha saudades de Marinalva, a única
mulher que realmente havia amado. Engatilhou a pistola num gesto mecânico.
Sentia falta de seu filho e um ódio impotente de Negro Tranca-Rua. Puxou
o gatilho com frieza e caiu morto no chão.
No barraco, silêncio total. Só um cadáver, estirado no chão,
com um revólver na boca e um rombo na nuca. A única testemunha
do ocorrido era Nossa Senhora Aparecida - imóvel e calada, com uma expressão
grave e dolorida - , encerrada em um folheto manchado de sangue.
Os jornais não noticiaram a morte. Mas o Morro da Formiga já sabia
que João Nabuco suicidara-se. E ninguém estranhou ou se espantou.
Agora, finalmente, ele estava livre do fardo da vida.