A Garganta da Serpente
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João Nabuco - Cidadão Brasileiro

(Mauricio Duarte)

João Nabuco era desses homens de meias-palavras. Quase não falava. Às vezes nem era perceptível sua presença. Os psicólogos o definiriam como introvertido ou introspectivo. Solteiro, morava num barraco no Morro da Formiga.

O barraco era pequeno e só possuía um colchão surrado, uma pequena mesa, um fogão de duas bocas e uma geladeira velha, que não funcionava mais. Em uma das paredes feitas de madeira e latas de óleo abertas havia um folheto com a imagem de Nossa Senhora Aparecida pendurado.

Ele trabalhava de pedreiro, mas além de ganhar muito pouco, ficava meses sem trabalho e, consequentemente, sem renda. A vida era inconstante, pois sem emprego, ia dormir com fome e acordava sem saber quando iria comer de novo. O único consolo era a cachaça, companheira fiel nos momentos difíceis.

Tinha um filho com uma moça chamada Marinalva, que o enxotou de seu antigo barraco por não conseguir colocar comida na mesa e se juntou com Negro Tranca-Rua, respeitado e temido traficante.

Tranca-Rua, a pedido da mulher, não o deixava mais ver o filho ( que já estava com quatro anos de idade) e ainda o ameaçava, dizendo que se insistisse mandaria matá-lo ou até ele mesmo faria o serviço. Com Negro Tranca-Rua não se brincava nem dele se duvidava.

Crime era coisa em que João não se metia. Questão de honra. Nunca havia feito isso e sempre repetia com orgulho que para tudo se dá um jeito quando a escolha é a honestidade. Mas a situação estava difícil. Sem trabalho, sem dinheiro, sem mulher, sem filho, tinha de tomar uma atitude.

Foi aí que um pessoal do morro, gente de assalto, o chamou para roubar um banco, dinheiro alto. Já tinha tudo acertado, havia até proteção de empresário grande para que tudo desse certo. Ele aceitou e deram-lhe uma arma para que guardasse e a levasse no dia combinado para o roubo.

Chegou o dia e João estava nervoso. Andava sem parar dentro do barraco e, de repente, parou e pegou a arma. Carregou demoradamente o tambor ( era uma pistola calibre trinta e oito milímetros) e ficou olhando fixamente para ela durante um certo tempo, como se estivesse hipnotizado.

João não tinha dinheiro para nada, nem para comer. Levou lentamente a arma até seu rosto. Gostaria de voltar a trabalhar como pedreiro, mas ninguém lhe dava o emprego. Abriu a boca, impassível, e colocou dentro dela o cano do revólver. Tinha saudades de Marinalva, a única mulher que realmente havia amado. Engatilhou a pistola num gesto mecânico. Sentia falta de seu filho e um ódio impotente de Negro Tranca-Rua. Puxou o gatilho com frieza e caiu morto no chão.

No barraco, silêncio total. Só um cadáver, estirado no chão, com um revólver na boca e um rombo na nuca. A única testemunha do ocorrido era Nossa Senhora Aparecida - imóvel e calada, com uma expressão grave e dolorida - , encerrada em um folheto manchado de sangue.

Os jornais não noticiaram a morte. Mas o Morro da Formiga já sabia que João Nabuco suicidara-se. E ninguém estranhou ou se espantou. Agora, finalmente, ele estava livre do fardo da vida.

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