Liliane estava eufórica. Afinal, chegara o grande dia, seu sexto aniversário.
Tinha acordado cedo, pois a ansiedade lhe tirou da cama antes do que de costume.
Era uma menina muito humilde, de casa muito simples, onde morava com o pai e
a mãe. O pai era cobrador de ônibus e a mãe, costureira.
Eram felizes (ou conformados) e unidos, apesar de todos os sacrifícios,
dificuldades e privações que a vida pobre lhes impunha.
A garotinha não tinha muitos motivos para se animar, mas hoje era diferente.
Era seu aniversário e ela só pensava no momento do pai chegar
em casa, às seis da tarde, depois do trabalho, como de costume, para
ganhar o seu presente. Tinha pedido uma boneca de louça. Aquela, com
vestidinho de renda azul, corpo feito de pano, a cabeça de louça,
as faces pintadas de branco e uma bolinha vermelha de cada lado.
Sonhava noite e dia, dormindo e acordada, com a boneca. Nunca desejara tanto
assim uma coisa. Sabia e, apesar da pouca idade, entendia que seus pais tinham
pouco dinheiro. Mas mesmo assim, tinha esperança de ver o desejo realizado.
Mais do que uma esperança, tinha um pressentimento.
Ela estava certa. O pai havia economizado quase o ano inteiro, já que
Liliane fazia anos em setembro, para conseguir comprar a boneca e iria lhe trazer.
A mãe já sabia, mas não havia falado nada, apesar da insistência
da menina em querer saber se ia ou não ganhar o presente. Era um sonho
guardado.
Exatamente às seis e quinze da tarde, quando a pobre criança já
não aguentava mais de tanta expectativa, o pai abriu a porta e entrou
em casa. Ele trazia nas mãos um pacote.
Liliane correu em direção aos braços do seu progenitor,
que a beijou, abraçou e lhe deu o presente. Ela abriu com tanta pressa
e vontade, que parecia que possuía dez mãos, tal a rapidez com
que rasgou o embrulho e o deixou em pequenas tiras de papel espalhadas pelo
chão. Ao terminar de abrir o pacote, mal colocou os olhos no que havia
dentro, eles brilharam um brilho de estrela e ficaram rasos d'água. A
alegria que ela sentiu não cabia naquele corpo pequenino e frágil
de criança, aquele momento deveria durar para sempre, era tudo o que
ela queria. Era a boneca de louça. Era um sonho realizado.
Liliane não se cansava de abraçar sua nova boneca, com toda a
força que uma criança pode ter, e de agradecer a todos: ao pai,
a mãe e, principalmente, ao papai do céu, para quem havia pedido
aquilo todas as noites, durante muito tempo.
Depois, subiu ao quarto, abriu a janela, e começou a chamar pelo nome
da vizinha, sua melhor amiga, para mostrar o presente. Mas a vizinha não
ouviu e, num descuido, talvez de tanta euforia, talvez pelas mãos pequenas
demais ou talvez apenas porque tinha de acontecer, a boneca escapou de seu poder
e foi, em queda livre, se quebrantar inteira no chão.
O rosto branco de louça já não existia, eram apenas pedaços
de dor espalhados pelo chão, dor de Liliane. E seus olhos não
brilharam de novo, não havia mais o brilho de estrela. Eram olhos foscos,
de coisa morta, de coisa finda, que rebentaram num pranto sem fim. Era um sonho
estilhaçado.
***
Ontem foi o aniversário da filhinha de Liliane, que por sinal vive muito
bem, pois casou-se com um médico de sucesso. Ela quis fazer uma surpresa
para a filha e, além de outros presentes, é claro, comprar-lhe
uma boneca de louça, que a menina também gostava muito. Mas, apesar
de procurar em toda a cidade, disposta a pagar qualquer preço, não
encontrou uma só boneca para comprar.
Talvez, a que escorregou de suas mãos fosse a última das bonecas
de louça ou, talvez, tenham todas se estilhaçado no chão
feito aquela, feito sonho, feito uma pequena menina chamada Liliane.