A Garganta da Serpente
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Lápide

(Márcia do Valle)

Aqui jaz o meu amor: estimado amigo, companheiro de farra de todos, amante exímio, requintado mentiroso e péssimo em questões envolvendo fidelidade ou responsabilidade. Eminente conhecedor dos prazeres momentâneos e mau empreendedor de planos a longo prazo. Por vezes, carinhoso, outras vezes, estúpido. Mestre na arte de alternar entre extremos e desconhecedor do ato de ceder.

Aqui jaz o meu amor, que ora se confundia com uma novela mexicana, ora com uma tragédia grega, ora com uma montanha russa, mas nunca foi sequer parecido com o carrossel que eu gostaria. Mestre insigne em intensidade, impulsividade, sentimentos arrebatadores, loucuras inexplicáveis e atitudes impensadas. Grande professor no ofício da diversão passageira.

Aqui jaz o meu amor, para quem a vida era um jogo em que não importavam os sentimentos, a verdade nem o caráter, contanto que sempre fosse possível virar o jogo e ficar por cima. Incapaz de ser contrariado ou ouvir uma negativa sem criar um mal estar. Possuidor de um sorriso que vencia todos os argumentos de outrem.

Aqui jaz o meu amor, bem como seus beijos, abraços, cafunés, cabelos, telefonemas carinhosos, telefonemas interrompidos, gritos, discussões, olhares raivosos, olhares tenros, olhares de tesão, mãos, boca, coxas, pêlos e pintas. E que ele descanse em paz, com a bênção de Deus, e que encontre seu espaço em outros corações.

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