A Garganta da Serpente
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Ceia de Natal

(Maria José Zanini Tauil)

Reunião de natal familiar. Mais um round anual. Cada uma das quatro filhas e três noras se encarregam de trazer um prato doce e um salgado, tirados em sorteio.

Mal os pratos são colocados à mesa, já surgem os ti-ti-tis: " Como ela tem coragem de trazer uma travessa minúscula com rabanadas se somos sessenta?" Num outro canto: "Você viu como sua irmã implica comigo? Encheu o pernil de pêssegos, ameixas e abacaxis! Faz de propósito, pois sabe que detesto essa mistura de salgado com doce!"

Até as mais novinhas, adolescentes, matracavam: "Viu a roupa da Aninha? Coitadinha! Parece uma velha! Eu não deixaria minha mãe fazer isso comigo!"

A casa parece um formigueiro. Gente espalhada pelo jardim, pela varanda, pela grande sala. Crianças correndo pelos corredores.

A senhora, dona da casa, põe o vestido novo trazido pela filha, que costura. Resmunga alguma coisa sobre a falta de criatividade na confecção de roupas para obesos: " Um buraco para o pescoço e dois para os braços...sempre iguais! E você ainda escolhe essas cores de burro quando foge!".

Desce as escadas amparada e é depositada como um embrulho na cadeira de balanço, próxima à imensa árvore de natal.

Um bisneto afoito, correndo, pisa no dedão de seu pé e ela não consegue conter um tremendo palavrão, que nem chegou a ficar entalado na garganta.

Ceia, brindes, depois a entrega dos presentes das crianças e do amigo oculto. Novo ti-ti-ti: "Ela me deu um CD da Alcione sabendo que eu queria o último do Caetano!" Outra: "Debochada! Traz uma camisola tamanho M sabendo que uso EG!"

Já é madrugada quando todos se despedem. As crianças nem falam com ninguém. Pulam dentro dos carros, ansiosas para chegarem em casa e encontrar o presente que papai noel deixou, na sua passagem por lá.

À porta, a velha senhora acena, apoiada em Maria, antiga empregada, que virou companheira de solidão e relíquia da casa.

Maria nem sequer acena, alheia em seus pensamentos: "Meus Deus! Por que inventaram o natal? Quanta louça pra lavar! Quanta sujeira pra limpar!"

  • Publicado em: 23/12/2004
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