A janela descortina uma paisagem inédita. Um homem corre de casa em casa.
Está em pânico ou ansioso? Talvez seja pressa, por ter que cumprir
intempestiva agenda. Deve ser daquelas pessoas para as quais as vinte e quatro
horas do dia são poucas.Agora detém-se junto a um senhor, da casa
de muro amarelo. O outro aponta para uma casinha azul, no final da vila, de
janelas brancas e cortinas esvoaçantes. Ele segue, agitado. Para em frente
à porta entreaberta. Entra devagar. Seus olhos navegam por aquelas paredes.
Busca por sobre os móveis algo familiar, uma fotografia talvez, que lhe
dê a certeza de estar no lugar certo. Busca uma paisagem perdida num passado
longínquo. Sente-se no seio de suas origens, embora a cidade e a casa
sejam outras. Os móveis também mudaram, mas o solo é pródigo
e o ar acolhedor.
Como ensaiou os braços para aquela chegada! Para o abraço...o
pedido de perdão. Ouve vozes num outro cômodo. Segue em frente
e abre a porta do quarto. Uma mulher na cama, cabelos embranquecidos e olhar
sofrido. Uma moça mais nova oferecendo-lhe a refeição.De
seus lábios abertos nasce uma planície de ecos, a grande surpresa
de ver o filho à sua frente... o filho que se foi há vinte anos
e do qual jamais teve notícias. Entre lágrimas, diz que seu relógio
parou, o tempo não passou, que tinha a certeza de que o veria antes de
morrer.
O homem se perde naquele abraço longo e sem forças, repleto de
amor e perdão. Ela nada pergunta. Só o abraça e beija,
enxugando as lágrimas do filho. Não lhe pede explicações.
Com a voz embargada, ele só consegue pensar: "Eis minha sólida
mãe, minha muralha da China. Suas pedras se mantêm do mesmo jeito:
definitivas, irreparáveis, ainda que quase vencida pela doença,
que parece levá-la aos poucos."
A senhora, frágil e altiva, parece adivinhar-lhe os pensamentos. Acaricia-lhe
os cabelos e ordena à moça: "Um almoço especial com
todas aquelas iguarias das quais lhe confiei as receitas. Não lhe disse
que ele chegaria?"
Ela assiste-o comer avidamente o prato preferido, depois a sobremesa. À
tardinha, o bolo de fubá com o cafezinho. À noite, o quarto vazio,
com cama de solteiro, recebe alvos lençóis, fronha bordada com
monograma. O chão parece um espelho de tanta limpeza. As cortinas pesadas
manterão a escuridão e a privacidade da primeira noite naquela
casa:seu lar.
Pela manhã, janelas abertas, um sol nunca visto adentrando o quarto e
anunciando um lindo dia. Ele se veste e busca a mãe. A mesa da sala fartamente
arrumada para o café.Surge a mocinha que cuida da senhora e da casa.
Recebe-o com um sorriso e o convida para irem juntos acordar a anciã.
Ela jaz inerte no leito. Um rosto sereníssimo, coberto de paz e um sorriso
apagado nos lábios. Estava morta.