Um cigarro no canto da boca, um olhar displicente de malandro atrevido, mão
no bolso do jeans, se coçando, um sorriso fácil e um galanteio
barato, na ponta da língua.
Todos os dias, ele estava lá, encostado numa árvore, na saída
da escola, de certo esperando alguma criança.
Eu já saía atrasada, faltando dez minutos para o meu trem passar
na estação, à cerca de duzentos metros dali. Acintosamente,
ele me acompanhava com os olhos. A exclamação era sempre a mesma:
"Gostosa! Que pernas!"
Eu era da equipe de direção da escola. Uma professora teve um
problema cardíaco e entrou de licença. Não enviaram ninguém
para substituí-la e era constrangedor, por vários dias, mandar
as crianças voltarem para casa por falta de professor. Decidi assumi-los,
nas minhas tardes.
"Pegar o bonde andando" é terrível, mas procurei dar
o melhor de mim, para que aquela turma não fosse prejudicada.
Certa vez, umas briga terrível entre dois meninos, levou-me a castigá-los
e chamar seus responsáveis à escola.
O meu espanto foi grande ao ficar frente a frente com o pai de um deles.
Era o homem da árvore, que coçava o saco e pilheriava quando eu
passava. Evidentemente, tratei-o como se nunca o tivesse visto antes..
Ele foi polido, educado, prometeu que atitudes seriam tomadas a respeito do
comportamento do filho. Elogiou o meu trabalho frente à turma e a atenção
que dispensava ao seu menino.
Quando foi embora pensei: " Ele deve ter ficado muito envergonhado em
ver que era eu a nova professora do filho...Agora, vai se esconder atrás
da árvore quando eu passar"
Dois dias depois, na saída, eu esbaforida pelo horário do trem,
deparei com o pai do meu aluno.
Na mesma árvore, o cigarro, o jeitinho de malandro, a mão no bolso,...um
sorriso fácil. Imaginei: "Vai cumprimentar-me".
Ele, simplesmente falou: "Gostosa! Que pernas!"