A Garganta da Serpente
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Caminho das Índias

(Maria José Zanini Tauil)

Irina e Marcos vão para o sul da Ásia em lua de mel. O avião faz pouso em Nova Delli. Dentro do táxi, ficam atentos e extasiados com a excentricidade daquele país. A jovem lembra sorrindo dos temores da sogra. "Não se aventurem na Índia, as pessoas desaparecem por aquelas bandas, além do mais não comerão churrasco! Lá, a vaca é sagrada!" . E lá vinha ela com seu álbum de recortes de notícias do mundo. Num dos artigos, comentavam sobre o comércio de escravas brancas e outros terrores.( só que há mais de vinte e cinco anos)

O ar está pesado, mais de quarenta graus à sombra. O casal , excitado diante da realização de um sonho. Estranham o símbolo da suástica, tão relacionada ao nazismo no ocidente. Ficam sabendo que lá, é, na verdade, símbolo de auspicidade, bem estar e prosperidade; bênção acima de tudo. Outro símbolo indiano é a flor de lótus. Ela cresce no pântano e não é afetada por ele. Isso representa que devemos ficar acima do mundo material, apesar de viver nele. As centenas de pétalas representam a cultura da unidade na adversidade. "Que lindo!" Exclama Irina, depois de ouvir o motorista explicando em inglês. Aliás, o país foi colonizado pelos ingleses e, por isso a língua é comum por lá, a mais falada é o hindu. Existem outras dezesseis línguas oficiais.

Logo nas primeiras ruas, os recém casados apavoram-se com o trânsito. Não existem sinais e as buzinas funcionam demais. Sorte que os motoristas são calmos. Chegam, por fim, ao hotel Tivo Gardem. Ocupam uma suite bem equipada, decoração exótica e colorida. As janelas amplas dão para a piscina e, mais além, para uma paisagem de beleza indescritível.

Almoçam no restaurante do hotel. Fora os pratos vegetarianos, havia frango e cordeiro. Mas em todos os lugares por onde passam, existem restaurantes internacionais, portanto gastronomia é questão de opção.

Prontos para sair, permitem- se afagos e beijos, enquanto aguardam um táxi com guia turístico. As pessoas olham assustadas, cochicham. Depois, o guia lhes explica que o contato físico entre homens e mulheres não é bem visto, portanto, qualquer tipo de carinho deve ser feito privadamente. O cumprimento mais aceito é o namaste, com as mãos juntas, na altura do queixo.

A meta é o Triângulo Dourado. Oito dias em: Nova Delli, a capital, Jaipur, a cidade cor- de - rosa e Agra, a cidade do Taj Mahal e antiga capital do império mongol. Delli se divide em velha e nova. A primeira, antiga capital muçulmana, de ruas estreitas e farto comércio de tecidos, prata e imponentes mesquitas. A nova, criada pelos ingleses, deixa transparecer esta influência na arquitetura.

Marcos comenta que chegou a conclusão de que o melhor da Índia é o seu povo. O padrão de vida é aquém do brasileiro. O que é tão essencial para nós, como geladeira, vídeocassete, chuveiro elétrico, poucos possuem. Tudo que querem é comida e espaço para dormir. Irina conclui que o ocidental vive estressado, na conquista do carro novo, da casa de praia, tanto trabalho para obter bens que para aquele povo é supérfluo. Podem até não ter sapatos, a comida é fácil e barata e a disposição em ajudar os outros é muito grande entre eles.

Numa das ruelas, numa lojinha de bijuterias finas, Marcos pega um cordão e o coloca no pescoço da esposa. Pergunta o preço. Custa quatrocentas rúpias. Brincando com o lojista, fala: "Se eu gastar tudo isso, fico sem dinheiro para o jantar". O homem pergunta quanto gastariam num jantar e abate a quantia. Envergonhado, Marcos insiste em pagar e encontra relutância do vendedor em receber. Garante que tem mais dinheiro no hotel e, só então, a venda é concretizada.

Na saída da loja, uma mulher toma as mãos de Irina. Olha as palmas, depois os olhos. "Você ainda vai encontrar o amor maior". A moça sorri, meio sem graça. Puxa o marido pela mão e saem apressados."Que mulher louca!"

"O indiano acredita que a Índia é mulher cujos cabelos nascem no Himalaia, os braços se estendem do Paquistão a Bangladesch, o ventre é a fértil planície central e os pés banham-se no Oceano Índico" diz o guia, recebendo o riso alegre do casal.

"O Taj Mahal é um monumento ao amor, construído pelo rei para a sua amada, que morreu prematuramente. Mármore branco decorado com pedras preciosas". Irina emudece de emoção, diante de tanta beleza, que mais tarde, torna-se uma das sete maravilhas da modernidade.

A indústria cinematográfica é a maior do mundo. Os cinemas são a grande paixão do indiano e vivem lotados. Lá, não se vê invasão cultural como nos outros países, que perdem a identidade em nome da moda. A literatura e a poesia são forma de conexão com o divino.

Os oito dias voam. Seguiriam para a Itália e da Inglaterra, retornariam à vida nova que os esperava. Impossível comparar tudo o que viram com o mundo ocidental. Há grandes contrastes entre beleza e pobreza, num mesmo lugar. Eles olham aquelas pessoas tão diferentes e imaginam o que pensam, o que vivem. Apesar das diferenças, todos são semelhantes e aprendem uns com os outros. Gente é sempre gente. Pouco importa a roupa que vista , a língua que fale ou o deus que cultue.

Aeroporto do Galeão, abraços, apartamento novo, cheirando a móveis novos. Marcos assume o hospital e o consultório particular, onde é médico urologista. Irina volta à clínica de estética, onde é sócia do seu irmão, cirurgião plástico.

Três meses depois, Marcos morre num terrível acidente. Passado o luto, a viúva vai para um convento, dali para o noviciado. Hoje é Irmã Irina de Maria...

O amor maior, visto lá na Índia, na palma de sua mão: Jesus.

  • Publicado em: 11/03/2009
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