Maria escrevia...escrevia. Punha no papel, a dor da solidão, a dor da
ausência de sentimentos, que alegram a mente e sensibilizam o coração.
Junto aos eus líricos de seus poemas e personagens de contos, a mulher
vivia amores, protagonizava histórias, se realizava através das
heroínas que criava, mulheres que deixavam marcas de sangue e coragem
em vitoriosos casos de amor.
Na verdade, ela era uma lâmpada queimada, sem iniciativa, acomodada, do
tipo "deixa a vida me levar", ou como Carolina,aquela, do Chico Buarque,
que debruçou na janela e nem viu a vida passar.
Vida pacata, sem emoções, grande vazio existencial, mesmice diária.
Admitia que Deus, muitas vezes, disse não às suas orações,
mas mandou muitas outras coisas em troca. Afinal, quando foi que Deus levou
alguma coisa de alguém, sem deixar nada em troca?
Um desses inúmeros presentes de Deus era o seu jardim secreto. Ninguém
o via; somente ela. À família, contava pormenores de suas orquídeas,
da poda feita nas dracenas, de como as rosas amarelas estavam deslumbrantes.
Entre cochichos, chamavam-na de louca. Quando ouvia, simplesmente, resmungava:
"Pobres almas que não conseguem cultivar um jardim secreto, só
seu! Os pássaros cantam só para mim, as borboletas multicores
fazem bailado no ar quando chego e, um raiozinho de sol, me acaricia o rosto
todos os dias."
Nesse jardim, Maria descobriu uma pequena gruta, onde uma imagem de Nossa Senhora
lhe sorria. Colhia dálias lilases e, com elas, enfeitava os pés
da santa. Por uma nascente, descia água cristalina. Ela fazia questão
de banhar os pés. Ali, era o seu céu. Mesmo em dias chuvosos,
brincava na chuva, lavava a alma, arejava os pensamentos.
Uma manhã, Maria não saiu do quarto para o café. Bateram
à porta. Arrombaram-na. Maria estava estendida no leito, sem vida. Nos
lábios, um leve sorriso e, na mão, pousada sobre o coração,
um pequeno buquê de margaridas.