O irmão estava com câncer terminal. Foram dois anos de luta intensa.
Ele foi um guerreiro, jamais entregou os pontos ou pediu a Deus que o levasse.
Até o fim, acreditou no milagre. Algumas horas antes de morrer, porém,
desfigurado pelo sofrimento, cantou um louvor a Deus, pediu perdão dos
pecados, salvação para a sua alma e, já num murmúrio:
"Pai, paizinho, me leva para juntinho de ti."
A dor é sempre mais intensa pela madrugada. As noites traiçoeiras
eram longas...intermináveis. Por quatro meses, Maria enfrentava aquela
triste rotina. Ele lhe telefonava, dizia que estava com muita dor, oravam juntos.
Ela pedia a Deus por aquela noite. Que a dor desse trégua, que o sono
o reabastecesse de força para continuar na luta.
Ela ficava no computador até às duas da madrugada. Depois, deitava,
conversava com Deus. Se o sono faltasse, o bate-papo era longo. Quantas vezes
acordou sobressaltada! Era sempre a cunhada, ao telefone: "O Airton está
passando muito mal". Maria e o marido corriam para lá. Ele se recusava
a ir para o hospital. Não adiantaria. Companhia era um lenitivo para
tanto sofrimento. Um massageava as costas, outro, o abdome, outro preparava
um saco de água quente...ele acabava dormindo. A mulher era o retrato
vivo do estresse e da exaustão.
Na noite da morte não foi diferente. O telefone, o sobressalto, o socorro.
Desta vez, também a ambulância, contrariando a sua vontade. Vinte
minutos depois de chegar ao hospital, despediu-se de vez dessa vida.
Dois meses se passaram. A saudade e a tristeza estavam bem presentes, mas também
o conforto e o alívio de saber que ele não sofria mais. Maria
queria sonhar com ele. Não sonhara ainda, até que um fato se tornou
corriqueiro. Pelo menos uma vez na semana, passou a ser acordada pelo telefone.
Corre para atender, só toca uma vez, nenhum número registrado
no bina. O marido garante não ouvir nada.
Lembra do irmão, volta para a cama e lhe dedica uma oração.
Uma imensa paz, como nuvem densa, se apossa de sua alma, uma euforia, espécie
de alegria. Adormece e sonha com Airton. Ele lhe sorri, veste branco e vem acompanhado
de um anjinho peralta que toca um sininho para acordá-la. De manhã,
o marido a observa dormindo. Depois, comenta:"Você sorri quando dorme...engraçado...
eu nunca percebi isso!"
(11/07/2007)