Avistei o menino na esquina. Dormia no frio, coberto em jornal. Vi naquele rostinho
inocente o Deus menino; um ser inocente que paga um tributo ao mal, sem saber
porquê.
Quem sabe, nasceu sem pai, dádiva cruel à mãe solteira
e sem teto.
Certamente vai crescer, criará armaduras para se proteger das intempéries
da vida. Será crucificado com os outros irmãos, que a mãe,
inconsequente, gerou e espalhou por aquela calçada. Pobre pássaro
ferido pelo estilingue da vida!
Ele acorda sorrindo. Fico na dúvida. Ele é o coitado ou sou eu?
Espreguiça-se e seus olhos brilham. Seu semblante não traduz medo
nem ansiedade. Aceita uma caneca que a mãe lhe oferece, de alumínio
amassado, talvez com café. Também um minúsculo pedaço
de pão seco.
Quando retorno, ele está no meio dos carros, no sinal fechado. Faz malabarismo
com limões. Consegue alguns trocados. Olhos radiantes de felicidade.
Senta no chão e conta as moedas.
Uma força estranha leva-me para junto. Abaixo-me e estendo-lhe uma nota
de dez, superenvergonhada por fazer só aquilo para amenizar a consciência.
Pergunto seu nome: - É Luiz Inácio! Minha mãe adora o Lula!
Voltei para casa pensando: A vida pode fazer vários homens com mil faces,
ocultos nos disfarces de sustentar nomes iguais. Nada mais que isso.