Saio do banco às quatro da tarde, extremamente aborrecida. Saquei todo
o pagamento do mês e vou jogar na conta de outro banco. Não havia
talão de cheques para mim, mandaram pelo correio mas não chegaram
à minha casa..Meu cartão magnético vencido não tinha
substituto. Um absurdo!
Puxo a bolsa para a frente, temerosa que me roubem e saio pelo comércio
afora. Quero comprar uns livros e uns cds. Numa esquina, encontro uma amiga.
Há quantos anos não nos víamos!
Eu e Miriam entramos num café e esquecemos do tempo colocando as fofocas
em dia...
Apavoro-me ao perceber que escurece. A essa hora, o trânsito fica impraticável.
Despeço-me de Miriam e me apresso para pegar meu carro no estacionamento.
Moro a vinte minutos dali, mas se tiver sorte, levarei uma hora. Uma calamidade
esse trânsito do Rio de Janeiro. Já perto de casa, um longo trecho
da estrada em obras, dessas imensas, que acontecem perto das eleições,
principalmente se o prefeito é candidato à reeleição.
Betoneiras, guindastes, desvios pelo chão de terra batida, enlameado
devido às chuvas dos dias anteriores, os postes, na horizontal nos cantos
da estrada. Trânsito caótico, escuridão total.
Meia hora parada, sem andar um metro à frente. De repente o movimento
reinicia. Meu carro morre. Sufoco, buzinas estridentes. Nervosa, viro a chave
várias vezes na ignição, acelero, nada...
Vários homens descem de uma Kombi e empurram o meu carro, tirando-o
do meio do caminho, deixando-o quase encostado ao muro da linha férrea,
que segue paralela à estrada em obras.
Fico ali, sozinha. Já não atrapalho a passagem. Breu total. Pensamentos
desconexos, aflição, desespero. Aquela é a parte mais deserta
do local. Não existem pedestres. Lembro do dinheiro na bolsa. Meu pagamento
por um mês suado de trabalho! Desespero-me...
Um minuto? Cinco? Dez? Não sei quanto tempo passou. Abraço o
volante, recosto a cabeça nele e clamo: MEU DEUS, ME AJUDE!
De repente, passa um rapaz de moto. Ele segue à frente por cerca de
vinte metros e retorna...Meu coração em pinotes se prepara para
sair pela boca. Ele vem na minha direção. Tem uma das pernas com
gesso, que não lhe permite dobrar o joelho... e pilota uma moto... Como
pode?
O farol vai crescendo na minha direção. Pára ao lado da
minha janela. Bate com o visor do relógio no vidro. Trêmula, me
apresso em abrir. Melhor que eu o faça do que ele, com um tiro.
Abro a janela. Na penumbra, aguardo a ordem de passar os pertences e a bolsa... Ele me pergunta o que aconteceu com o carro. Respondo gemendo. Ele ordena que
vire a chave. Obedeço... e o carro pega!
Colocando o farol em direção ao trânsito que fluía
em direção contrária., posta-se no meio da pista fechando
o trânsito e me abre passagem.
Logo chego em casa, ainda trêmula. Eu sempre imaginei que os anjos usassem
camisolões, tivessem cachinhos dourados e longas asas..No entanto, acabo
de ter contato com um anjo motoqueiro, de calças jeans e perna quebrada.