Bronzear o corpo na piscina do clube era meta, mal o ano começava. Primeiros
preparativos para o carnaval. Éramos dez. Escolhíamos a fantasia,
mas cada uma tinha sua cor, que permanecia para os outros anos. Foi assim que
fiquei conhecida como a garota azul .(rsrs).As outras cores: amarelo, coral, verde, vermelho, rosa pink,
lilás, vinho,branco e preto.
Naquele ano se falava muito em tropicália, Caetano e Gil. A palavra
da moda era psicodélico.Escolhemos pareô liso, enfeitado nos contornos
com margaridas. O bustiê era todo coberto delas. O rosto, minuciosamente
pintado com guache, na cor da fantasia, de flores, folhas e ramos. Ficava bonito
até suar na folia. Depois disso, tinha que tirar tudo.
Eu desenhava os modelitos e lhes dava vida. Tantas margaridas, compradas prontas,
ficariam caríssimas. Tive uma ideia que deu certo. Compramos espuma
fina a metro, cortávamos com molde de margaridas, depois, pintávamos
com tinta esmalte branca, depois de secas, pintávamos o miolo de amarelo.
Elas ficavam encorpadas, mais duras e de cor branca leitosa. Ninguém
adivinharia que eram de espuma...modéstia a parte, ficaram lindas. Trabalhávamos
à tarde, o barracão pré carnavalesco era a minha casa.
Eram 140 unidades para cada fantasia, portanto, 1400 margaridas, no total.
Frequentávamos os bailes do clube local, meu pai era um dos diretores.Antes,
passeávamos pelas ruas, nas imediações do coreto. Naquele
domingo, fantasia novinha, resolvemos ir para Nilópolis, reduto da Beija-Flor.
De ônibus, fica a dez minutos do nosso bairro. O coreto de lá era
na praça e muito animado.
Demos uma volta e percebemos que uma das meninas do grupo chorava copiosamente.
Nos assustamos, pensamos que alguém tinha passado a mão...e quanto
mais perguntávamos mais ela chorava. Emudeceu. Voltamos para o nosso
bairro. Todas foram para casa dar uns retoques no visual, para irmos para o
clube. A amiga, nessa altura, estava com o rosto inchado de tanto chorar. Nosso
grupo ficou desfalcado de uma das cores. Ela não foi conosco. A interrogação
estava em cada uma de nós e a noite não foi o que esperávamos.
Ficamos chateadas.
No dia seguinte, mais calma, ela me contou. Sua mãe viajara para a casa
da irmã, na Bahia, o pai ficou, pois não gostava de sair. Ela...a
mãe...estava se esbaldando, no coreto de Nilópolis, junto com
um homem.
O carnaval passou. A mãe da minha amiga chegou "da viagem"cheia
de notícias dos parentes baianos. Ela se calou. Jamais contou o que havia
visto.