Já arrumei a árvore e o presépio. Minha sala ficou alegre,
com ares de festa.. No jardim,
mais de mil luzinhas piscando. Deu trabalho... mas ficou lindo! Paro diante
do presépio.
Parece que o Deus-menino sorri para mim. Preocupo-me com a distribuição
das peças: o burro não está bem aqui, essa ovelhinha pode
encher aquele vazio perto do pastor ajoelhado.
Curiosamente, nessa noite, sonhei com o presépio. Eu estive lá!
Ele me apareceu ao vivo e a cores. Que sonho lindo, meu Deus!
Vi-me com uma roupa que lembrava um camisolão. A noite estava muito
fria. Enrolei-me numa enorme manta de lã e abri a janela para olhar o
céu. Aliás, todos os hóspedes da hospedaria estavam de
olho no céu. Eu acompanhava meu pai, que era astrônomo e naquele
momento, devia estar no telhado com suas lunetas e seus companheiros.Aguardavam
o aparecimento de um cometa.
Comecei a brincar com uns floquinhos de neve que consegui pegar num galho do
pinheiro, endurecido pelo gelo, que parecia querer pular para dentro do quarto
para se aquecer. De repente, uma luz intensa ofuscou os meus olhos. Parecia
um sol noturno.
A luz ficou fixa como lâmpada acesa...e foram surgindo pessoas, pastores
com seus rebanhos...todos extasiados pela claridade imensa. Adentraram no quintal
da hospedaria e se dirigiam para os fundos, onde ficavam os animais.
A luz me chamava. Eu fui.Tinha a sensação de que aqueles caminhos
estreitos me conduziam ao céu, embora minhas botas afundassem na neve.
Ali, na estrebaria, o cheiro não era bom. eu passava por entre as pessoas
sem ser notada, os animais me ignoravam. Estavam todos em transe. Quando já
não havia obstáculo para a minha visão, deparei com uma
cena que presépio algum que já vi ou imaginei me mostrou. Primeiro,
meus olhos encontraram os de uma mulher, bela como a aurora. Era Maria. Um rosto
suave, pele sedosa, contornos delicados. Um olhar penetrante que me fez chorar
de emoção. Ela baixou os olhos, como se me dissesse: "Veja
o meu menino!" Estiquei-me mais. Que visão indescritível!
Não me perguntem a cor dos seus cabelos ou dos seus olhos.Minha mente
registrou um ser iluminado por milhares de fachos de luz, que certamente, já
o aqueciam, pois seus braços e pernas nus, balançavam no ar. Acabara
de nascer. Mais atrás, um homem separava o feno, talvez improvisando
um lugar mais aconchegante para a mãe e seu bebê.
Era impossível deter as lágrimas, que rolavam livres e compulsivas
pelo meu rosto.
Como o filho de Deus podia vir ao mundo num lugar assim!? Era feio e sujo.
Maria puxava o manto surrado para cobrir as pernas do menino. Num ímpeto,
tirei a manta das costas e lhe ofereci. Ela sorriu agradecendo. Curiosamente,
não sentia mais frio.O amor e a energia que emanavam daquele lugar, aqueciam
a todos, como uma fogueira. Fiquei horas numa muda contemplação.
A neve ia subindo pelos meus pés e eu nem percebia.
Vozes melodiosas puseram-se a cantar acompanhadas de harpas, flautas e trombetas.
Eram anjos.Havia muitas estrelas no céu hibernal e os arbustos flocados
de neve pareciam floridos. Eu já não sentia o cheiro comum dos
excrementos de animais, mas uma suave fragrância de incenso. Numa prece,
ofereci meu coração como presente ao Menino -Jesus..
Pensei nas imagens que já vi de Maria. Pintam a mãe de Jesus
com roupas de fios dourados, cores fortes contrastando com tons claros. Ali
estava ela, com uma roupa de tecido que lembrava sacos de estopa e o manto parecia
cânhamo, bem rústico e simples, tudo na mesma cor.
Acordei com um beijo na testa. Era meu filho que ia para a escola. "Mãe!
Você deitou com o rosto todo salpicado de marshmalow? Eu sorri e respondi:
"Não filho! É neve!"