A Garganta da Serpente
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Plantação de quimeras

(Maria José Zanini Tauil)

Pedras imensas formavam uma barreira para que eu adentrasse na estrada do sonho.

Tentei subir, fazer delas trampolim, mas, pouco habilidosa, escorregava e voltava ao ponto inicial. Subi numa árvore, pendurei-me num galho e tomei impulso. Ele se quebrou, caí sobre as pedras, ralei braços e joelhos.

Uma águia, a tudo observava.Ofereceu-me seu dorso e fiz dela o meu pégaso. Alcancei as alturas do azul infinito.Que maravilhosa sensação de liberdade! De repente, o céu enegreceu e a tempestade não demorou. Numa só guinada, a ave perpassou as nuvens e plainou sobre elas. Depois, continuou voando na vertical. O mais curioso: Eu não precisava de ar atmosférico, mas sentia no espaço um suave aroma de rosas.

A águia deixou-me no solo de uma estrela branca, sem brilho, não visível para os terrestres. Chão transparente feito água, porém sólido. Caminhei quilômetros sobre ele. Meus pés não se ressentiam... o cansaço não vinha... eu queria mais, nada de remanso.

Cheguei a uma montanha feita de nuvens de algodão. Escalei-a, deitei, rolei sobre ela. Que maravilhosa sensação! Alcancei uma das cinco pontas da estrela...olhei para baixo, tive medo. Só via nuvens correndo, numa estranha cavalgada, como corcéis brancos.

Aparentemente, a estrela era deserta. Nem plantas, nem animais, nem gente; mas eu não sentia solidão. Eu me bastava naquele lugar. Contemplava o nada extasiada.

Caminhando mais um pouco, cheguei a uma vasta planície. Creio que era bem no centro da estrela. Era um chão de terrinha muito branca, parecia açúcar.Surpresa, deparei com extensa plantação das minhas quimeras, de sonhos desfeitos na Terra. Ali, encontraram solo fértil e resplandeciam em beleza. O impossível não existia. Todos os meus "irreais, bem materializados, frente a um horizonte sem mácula...alvacento.

Uma porta bate, ao sabor do vento. Acordo assustada. Um torpor...abro os olhos lentamente. Alvos lençóis. Percebo algo preso nas unhas...(terrinha branca como açúcar, talvez.)

Concluí que fiz uma incrível viagem, não ao espaço, mas à minha alma.

Era um espaço sem brilho, alvo...mas agradável. Eu até queria ficar por lá! Que importa a solidão e o vazio, se nosso interior tem paisagens bonitas, ainda que feitas de nada, sem colorido, desbotadas. Tudo depende da maneira de ver e sentir as coisas...de interagirmos com elas.

Por mais tristes que estejamos, trazemos nas mãos as sementes. Podemos escrever
versos, viajar nas asas da poesia...alegrar quem ousar nos ler...sair por aí plantando quimeras.

  • Publicado em: 30/05/2007
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