Sofia sobe os poucos degraus do altar. Ajoelha em frente ao Santíssimo.Tira
o rosário da bolsa e começa a rezar. Lá fora, um ladrão
assalta o banco, foge da polícia, capota numa ultrapassagem...e Sofia
reza.
Na porta da igreja, uma mulher amamenta um menino já grande; os outros
maiores, roem o pão que o diabo amassou; dois ratos disputam as migalhas
caídas no chão...e Sofia reza.
O amor se estraçalha no aperto de namorados, no beco da esquina; ele,
quarentão, ela, quase menina...e, enquanto isso, Sofia reza.
A chuva cai, as árvores tombam, gritos no ar, o jornal da tv comenta,
risos se fecham.Sofia vai para casa. Chega ensopada, de alma lavada.
Um disco arranhando, em setenta e oito rotações, uma Ave-Maria
de Gunod, uma vela acesa, joelhos no chão, a prece ininterrupta...Sofia
continua a oração.
Num barraco, na periferia, um homem, uma mulher...unem línguas, unem
corpos, trocam juras de amor eterno, se dizem, um dono, outra serva, um rei,
a outra rainha, uma caça, outro caçador...e por fim, se despedem,
com um até - breve, porque em casa, Sofia espera seu homem...rezando.