Subiu no ônibus em um só pulo, tal qual uma tarântula puladeira
híbrida das cavernas de La Pedrera. A ansiedade escorria pelo seu rosto
como goteiras de preocupação. Pagou. Atravessou a catraca e sentou-se
no último banco do lado direito do ônibus. Ao lado da janela.
Estava com muita pressa. Era um compromisso importantíssimo e ele estava
atrasado. Não podia atrasar um segundo sequer. Questão de vida
ou morte.
O ônibus fluía tranquilamente pelas vias, pois ainda não
era horário de pico, mas mesmo assim, ele estava rezando silenciosamente
para que o motorista afundasse o pé no acelerador.
Quase ninguém no ônibus. Apenas uma senhora com aparência
de fanática religiosa, um cara com cara de militante político
e um maluco com uma camiseta do RPW.
O busão cumpria seu itinerário sem que ninguém desse sinal
e, mesmo assim, o motorista seguia lento como um cão surrado.
"Dia quente, pouco movimento, bem que esse filho da puta desse motorista
poderia ir mais rápido." - É o que nosso herói forjado
dizia mentalmente. "Caralho, preciso chegar logo. Porra, to atrasado pra
caralho. Se esse filho da puta fosse mais rápido, eu chegaria até
antes da hora. Que merda!".
Num acesso de estresse e ansiedade desmedido, levantou-se e foi pedir ao cobrador
que dissesse ao motorista pra dar uma pisada no acelerador. O motorista ouviu
e, aproveitando-se do pouco movimento, encostou o ônibus e foi tirar satisfações.
Um mendigo, que também se aproveitou da situação, subiu
no ônibus e perguntou: "Vai pra Sorocaba?". A discussão
começou. Ambos trocaram empurrões e nosso herói salafrário
disse ao motorista que sua pressa era questão de vida ou morte. Era algo
além do céu e da terra e se ele não colaborasse "afundando
a porra do pé na merda do acelerador", ele seria castigado pelas
forças da natureza e viria a falecer. Sabe o que é mais estranho
em tudo isso?... E não é que o velho do motorista veio a falecer
mesmo.? É veraz.
Nosso herói usurpador encheu-se de desespero até a tampa de seu
frasco vital. A fanática religiosa disse que foi a vontade divina. O
militante disse que foi culpa dos governantes que não construíram
meios eficientes de transporte. O maluco com a camiseta do RPW disse: "Vish.
O tiozionho virou presunto". O cobrador que assistiu "O segredo de
Brokeback Mountain", começou a chorar e o mendigo perguntou: "Vai
pra Sorocaba ou não?".
Nosso herói que ouve de Redman a Chitãozinho e Chororó,
começou a suar frio. Sentiu labirintite aguda e quase caiu. Conteve-se,
apoiou-se nas catracas e tudo ficou escuro. Escutava vozes inaudíveis
como plano de fundo de seus pensamentos e teve uma ação instintiva
de correr até o banco do motorista e sair guiando o ônibus até
seu destino.
Afundou o pé no acelerador e saiu arrancando sem nem olhar no retrovisor.
O cobrador foi tentar pará-lo para levar o motorista até um hospital.
A fanática religiosa começou a gritar que eles estavam macumbados.
O militante disse que era culpa da má educação nas escolas
públicas da capital. O cara com a camiseta do RPW disse: "acelera
que é nóis, sangue bom". O mendigo começou a berrar:
"Vai pra Sorocaba? Vai pra Sorocaba?"
Nosso herói que já bateu uma assistindo o filme pornô-meia-boca
da Rita Cadilac parou o ônibus, chutou o cobrador pra fora e dirigiu como
se fosse o trem bala. Desviou de carros, ultrapassou sinais vermelhos, subiu
em calçadas, acenou para as garotas que saiam de uma casa de favores
e pôs o dedo no nariz enquanto a fanática religiosa dizia que aquilo
tudo era obra do capeta. O militante dizia que era culpa das grandes oligarquias
imperialistas. O cara com a camiseta do RPW disse: "Aê, se vocês
não se incomodam eu vou apertar um baseado aqui". O mendigo: "Esse
béqui é de Sorocaba, esse béqui é de Sorocaba!".
Ninguém sabia o que levara nosso herói torcedor do quinze de Piracicaba
a tal drástica atitude. Por que ele tomou o ônibus de assalto,
chutou o cobrador pra fora e carregou quatro inocentes e um presunto para um
destino escuro como um cu de rato?
-Amigo, por que fizeste isso? - Perguntou o militante.
-Eu tenho que chegar na hora exata em um determinado local ou todos nesta esfera
azul e cintilante que você chama de planeta terra irão literalmente
"para o espaço".
-É Sorocaba, né? - Perguntou o mendigão.
-Terra nada, você tem que ir para uma sessão de descarrego. Você
precisa de Jesus. - Gritou à fanática.
-Se ele trouxer um jato eu aceito. - Disse nosso herói comedor de balinha
de goma.
-Aê irmão, vai dar um pega? - disse o cara com a camiseta do RPW.
O mendigo deu um pega no baseado e disse que fumava aquilo em Sorocaba. A fanática
disse que aquela situação era a prévia do apocalipse. O
militante disse era culpa do ministro da cultura. O cara com a camiseta do RPW
disse: "nooooosssaa, o mendigão carbura com mó ódio".
O mendigo disse: "É de Sorocaba, né?", enquanto prendia
a fumaça.
O nosso herói que usa cueca samba canção do pato Donald,
explicou a todos que precisava chegar a tal lugar para poder ativar um mecanismo
que manteria o "equilíbrio contínuo do tempo espaço
gravitacional equalizado XP 2006". O cara com a camiseta do RPW disse:
"Pode crer, irmão, é nóis. Depois que você equilibrar
o tempo espaço gravitacional equalizado XP 2006, nóis cola lá
na minha goma, compra umas breja, faz um churras cabuloso, chama umas cachorra
e comemora o baguio. Firmo!". O militante disse que isso devia ser uma
conspiração neoliberal. A fanática disse que equilibrar
o tempo espaço gravitacional equalizado XP 2006 era pecado mortal. O
mendigo disse: "ta longe de Sorocaba, meu véio?".
Enquanto o mendigo perguntava se "ia pra Sorocaba", a fanática
dizia que todo mundo estava possesso, o militante culpava o Tony Blair, o "RPW"
dizia que "o fumo trincou"; nosso herói parido com oito meses
aproximava-se de seu destino.
Após todo aquele: "Vai pra Sorocaba?". "Acelera sangue
bom". "Direitos melhores". "Vou chamar o pastor" e
um peido involuntário do corpo do motorista, nosso herói que joga
need for speed chegou ao seu destino. Eram ruas inóspitas.
Nosso herói que murchava pneus de carros em festas de casamento, desceu
do ônibus, aproximou-se de uma lata de lixo e retirou um laptop lá
de dentro. Na tela havia os dizeres verdes piscante: "APERTE ENTER PARA
EQUILIBRAR O TEMPO ESPAÇO GRAVITACIONAL EQUALIZADO XP 2006". O laptop
fez o reconhecimento das digitais. Nosso herói que todo dia acessa www.ampland.com,
apertou enter, devolveu o laptop à lata de lixo. Dirigiu-se a um telefone
público e foi teletransportado.
O militante disse que aquilo deveria ser alguma arma experimental do governo
americano. A fanática disse: "Preciso fumar essa ponta". O
maluco da camiseta do RPW disse: "Nossa mano, que barato loco. Ninguém
vai botar uma fé em mim lá na quebrada". O mendigo perguntou:
"Aqui é Sorocaba?".