A Garganta da Serpente

Mephis Vendreth

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Elegia

(Mephis Vendreth)

Do deserto veio o homem de pedra. Nas terras por que passou deixou seu rastro de areia e lágrima dos olhos. Para o campo foi o homem de pedra e o verde lhe surpreendeu. As cores lhe fizeram sorrir e seus braços se abriram na harmonia da dança dos pássaros. Os frutos lhe cativaram e o descobrir do doce formou doces brisas no homem que esperava ver o negro. Pois sua alegria se esvaeceu ao ver as pernas, e somente estas, dos velhos cravadas no chão, e também de adultos e jovens. Seus membros já não suportavam seu esbelto corpo, desfalecido pelo ferro dos homens de bem, e mais petrificado tornou-se. Suas pesadas pálpebras seguraram triste umidez, e foi o homem de pedra para o rio.

O que seria aquela forte chuva a deitar-se na terra? Não compreendeu o homem de pedra ao enxergar tão raro elemento tal como as dunas abundantes de sua pátria. E riu-se infinitamente ao enxergar o desprezo dos homens de futuros ao rejeitar em seus sonhos as mais simples unidades. Grandes nadadeiras ganhou o homem de pedra pois os peixes não lhe temiam, e também grandes brânquias pois o rio se apaixonou. E um só ser se formou: peixes, rio, alga e homem de pedra. Mas transbordou o rio e em mar e transformou ao não suportar as lágrimas do homem de pedra. Mas por que choraste?- perguntou-lhe seu irmão peixe. Para o alto olhou e o amigo avistou o negro novamente e o sangue de seus parentes ainda mais o escureceu. Assistiram a mão quadriculada varrer sua nova família para sustentar o supérfluo dos homens juízes. E sorriu de escárnio a decepção ao penetrar o, agora, ainda mais petrificado homem de pedra.

Soergueu-se em tristeza e encharcado olhou por sobre seu ombro sem ouvir o diálogo do rio, então silencioso. Seguiu sozinho e pelo vento deixou-se levar. Como era suave o frio nas elevadas alturas. Desconheceu tal banho solene na companhia do sol e sentiu-se noite, no deserto. Como era único aquele passear no anil e nas leves plumas de nuvens. Mas o destino do homem de pedra era conhecer o ar dos homens de cinza, e novamente o enegrecer o encontrou. As plumas alabastrinas assaltadas foram por um grande exército que as roubou o brilho e as submeteu a um ofuscar. Sufocado pela morte do vento e domínio das tropas ofuscantes, para a terra novamente foi o homem de pedra em desesperada descida, pois ainda mais petrificado se tornou. E para a cidade foi o homem de pedra.

Encontrou o cinza do exército em toda a vida e alma da floresta de pedra. Encontrou também os homens urgentes, os homens (escravos) do instante, os homens de cofres e os homens insípidos, encontrou ainda a inércia do homem e os homens sem voz, os homens sem olhos e os homens que só enxergam o homem.

Como entristeceu-se o homem de pedra, mas ainda mais melancólico se tornaria ao enxergar os homens supérfluos, os homens sem letras, os homens de vidro e os homens de papéis, os homens de máscaras, e não encontrou nenhum outro homem de pedra. Na cidade não ouviu sorrisos em ao mergulhou em idílios, não beijou as rosas e sim o frio mármore, não sentiu o toque do vermelho e não atravessou o azul, ou mesmo o verde. Mas circulou por entre círculos amarelos, círculos dourados e reluzentes, desejados não só pelos homens de bem, mas por todos os homens. E circulou em grande raio à distância da única cor em meio ao cinza, o amarelo. E o homem de pedra tornou-se mais denso, mais pedra. E a cada passo na cidade ainda mais outras rochas lhe acrescentavam. As lágrimas lhe caíram dos olhos e tilintaram ao ricochetear no chão e rolar por debaixo dos impiedosos pés dos homens, que, indiferentes, lhas pisotearam. E caminhando foi o homem de pedra para o deserto. Não houveram sorrisos com a morte da saudade das dunas, pois por demais estava petrificado. Penetrou por sua casa mas a areia não podia, agora, suportar-lhe o peso. E afundando foi o homem de pedra até desaparecer na areia. Sua carne, tal qual a de todos os homens, logo desintegrou, mas seu coração foi encontrado, feito de pedra, e petrificado pelos homens.

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