Desde pequenos eu e meu mano Beto, (que lá do céu deve lembrar) 
  acostumamos-nos a ouvir papai contando aqueles causos coloridos de seu sertão 
  paraibano, havia um que me divertia em especial. Era assim
  Por aquelas bandas, era preciso muita precaução contra as aves 
  grandes que prejudicavam a plantação dos roçados, e então 
  por conta disso, seu Mané Pequeno fez o espantalho mais bonito que podia 
  existir naquelas bandas, caprichou no traje, o tronco era de madeira boa e os 
  detalhes ficaram tão bons que ele lhe dera o nome de Marcolino, lembrando 
  um tio seu de Pernambuco, só faltava falar o boneco vestido de gente.
  Assim foi por muito tempo, até que Deus mandou toda a chuva que os homens 
  pediram aos santos e, a água lambeu tudo zunindo vento que baniu a cerca 
  e levou o Marcolino do Arroz rio afora, até fazer curva e parar na fazenda 
  de seu Tico Lunda, na região de baixo, onde o pobre ficou grudado em 
  pé numa tora forte de cerca.
  Certa noite, passado alguns dias quando tudo já havia secado e a vida 
  normalizava, apareceu por lá nas terras do fazendeiro Tico, um caçador 
  afoito atrás de uma onça braba. Cartucheira em punho, venta de 
  jagunço, o homem pulou a cerca num átimo, e assustou-se quando 
  ouviu uma voz estridente:
  -Larga essa vida,Bastião! Senão tu vai é morrer!
  O homem deu um pinote e caiu de cócoras rente a imagem impassível 
  em pé na cerca, o olhar parecia um tição.
  -Nhô sim,vixê, o sinhô é um santo ou um desconjurado, 
  fale logo?
  Ele jura que era santo e repetiu a frase umas duas vezes, já com a voz 
  de trovão, foi quando abaixou o olhar, tirou o chapéu contrito 
  e ficou num colóquio de duas horas com o divino.No fim,fez o juramento 
  de deixar aquela vida aventureira quem sabe até virasse um beato
O 
  que se sabe com clareza é que ele contou o ocorrido para a cidade todinha 
  e estava feliz com a conversão.
  Já de manhã muitos iam e vinham como em romaria para ficar íntimo 
  do santinho que sem parcimônia espalhava suas graças. Seu Tico 
  não teve outro jeito senão construir o lugar dos romeiros deixarem 
  seus agradecimentos, era perna de cera, cabeça, até bicicleta
A 
  cidade acolhia frenética aquele que passou a ser o "santo do rio".
  A mulher de seu Mané Pequeno combinou com as comadres de ir até 
  a tal fazenda conseguir seu milagre, já que o santinho dava plantão, 
  acompanhou-a seu filho mais novo, rapaz esperto como o quê
Lá 
  chegando, as mulheres ajoelhadas permaneciam por muito tempo, rezando e chorando, 
  chorando e rezando
até que algo chamou a atenção do 
  rapazote, e ele se aproximou do santo, tocou sua mão de madeira e deu 
  o grito:
  -Vixê,este aqui é Marcolino,ele tá sem o dedo!É Marcolino!É 
  Marcolino!
  A mãe ainda chorosa correu até o filho que lhe relatou a descoberta 
  mas antes que terminasse recebeu um croque tão forte que saiu fogo do 
  olho.
  Nem é preciso dizer do burburinho que aquilo causou, mandaram chamar 
  seu Mané que apeou já com o cinto nas mãos para dar uma 
  pisa no rapazinho que implorava ao pai:
  -Meu pai,este danado é Marcolino do Arroz,veja o dedo dele que o sinhô 
  cortou,veja
  O velho foi conferir e era mesmo um milagre grande, finalmente achara o Marcolino, 
  tanto tempo perdido!
  Depois de recolher o santinho do pau talhado, retornaram todos para seus afazeres, 
  felizes e atônitos. E a multidão se dispersou satisfeita e cantante.
  E talvez até alguém pergunte pelos milagres
  Bem, eles sempre existirão no sertão e nos corações 
  dos homens e mulheres simples, não é não?