A Garganta da Serpente
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Marcolino Do Arroz

(Nina Araújo)

Desde pequenos eu e meu mano Beto, (que lá do céu deve lembrar) acostumamos-nos a ouvir papai contando aqueles causos coloridos de seu sertão paraibano, havia um que me divertia em especial. Era assim…

Por aquelas bandas, era preciso muita precaução contra as aves grandes que prejudicavam a plantação dos roçados, e então por conta disso, seu Mané Pequeno fez o espantalho mais bonito que podia existir naquelas bandas, caprichou no traje, o tronco era de madeira boa e os detalhes ficaram tão bons que ele lhe dera o nome de Marcolino, lembrando um tio seu de Pernambuco, só faltava falar o boneco vestido de gente.

Assim foi por muito tempo, até que Deus mandou toda a chuva que os homens pediram aos santos e, a água lambeu tudo zunindo vento que baniu a cerca e levou o Marcolino do Arroz rio afora, até fazer curva e parar na fazenda de seu Tico Lunda, na região de baixo, onde o pobre ficou grudado em pé numa tora forte de cerca.

Certa noite, passado alguns dias quando tudo já havia secado e a vida normalizava, apareceu por lá nas terras do fazendeiro Tico, um caçador afoito atrás de uma onça braba. Cartucheira em punho, venta de jagunço, o homem pulou a cerca num átimo, e assustou-se quando ouviu uma voz estridente:

-Larga essa vida,Bastião! Senão tu vai é morrer!

O homem deu um pinote e caiu de cócoras rente a imagem impassível em pé na cerca, o olhar parecia um tição.

-Nhô sim,vixê, o sinhô é um santo ou um desconjurado, fale logo?

Ele jura que era santo e repetiu a frase umas duas vezes, já com a voz de trovão, foi quando abaixou o olhar, tirou o chapéu contrito e ficou num colóquio de duas horas com o divino.No fim,fez o juramento de deixar aquela vida aventureira quem sabe até virasse um beato…O que se sabe com clareza é que ele contou o ocorrido para a cidade todinha e estava feliz com a conversão.

Já de manhã muitos iam e vinham como em romaria para ficar íntimo do santinho que sem parcimônia espalhava suas graças. Seu Tico não teve outro jeito senão construir o lugar dos romeiros deixarem seus agradecimentos, era perna de cera, cabeça, até bicicleta…A cidade acolhia frenética aquele que passou a ser o "santo do rio".

A mulher de seu Mané Pequeno combinou com as comadres de ir até a tal fazenda conseguir seu milagre, já que o santinho dava plantão, acompanhou-a seu filho mais novo, rapaz esperto como o quê…Lá chegando, as mulheres ajoelhadas permaneciam por muito tempo, rezando e chorando, chorando e rezando…até que algo chamou a atenção do rapazote, e ele se aproximou do santo, tocou sua mão de madeira e deu o grito:

-Vixê,este aqui é Marcolino,ele tá sem o dedo!É Marcolino!É Marcolino!

A mãe ainda chorosa correu até o filho que lhe relatou a descoberta mas antes que terminasse recebeu um croque tão forte que saiu fogo do olho.

Nem é preciso dizer do burburinho que aquilo causou, mandaram chamar seu Mané que apeou já com o cinto nas mãos para dar uma pisa no rapazinho que implorava ao pai:

-Meu pai,este danado é Marcolino do Arroz,veja o dedo dele que o sinhô cortou,veja…

O velho foi conferir e era mesmo um milagre grande, finalmente achara o Marcolino, tanto tempo perdido!

Depois de recolher o santinho do pau talhado, retornaram todos para seus afazeres, felizes e atônitos. E a multidão se dispersou satisfeita e cantante.

E talvez até alguém pergunte pelos milagres…

Bem, eles sempre existirão no sertão e nos corações dos homens e mulheres simples, não é não?

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