Bocas em fogo, mãos em agitação febril, corpos colados.
Os beijos com sabor de nunca mais, as marcas roxas. Amor com sabor de perdição.
- Quero é tirar teu sangue, engolir a tua alma! - dizia febril, entre
gemidos altos que a vizinhança preferia não ouvir.
Começou do nada. No marco zero da paixão nem era mesmo pra ser
mais do que uma improbabilidade. Surgiu de uma conversa banal, de umas poucas
insinuações.
- Vamo se ver.
- Onde?
- Ah, sei lá!
- Na casa da Tereza?
- Pode ser.
- Você vai?
- Vou sim.
- Então ta!
- Tá bom.
E não mais se disse. Entretanto, houve um coração disparado,
uma ansiedade espantosa, uma premonição de amor. De ambos os lados.
- Besteira! - foi pensado na ocasião - vou lá só pra conhecer,
é só mais um.
- Oxe! Nada! - passou pela mente - vou lá só pra conhecer, é
só mais um.
Mas não foi. Houve um brilho de amor, uma centelha, um rebrilhar de dentes
agudos, numa boca sorridente. Risadas nervosas.
- Que foi?
- Nada, ouch!
- Tá nervoso?
- Me acalma então.
E desde então bocas em fogo, mãos nervosas em agitação
febril, corpos colados. Beijos com sabor de nunca mais. Amor com sabor de perdição.
Um amor feito de marcas, roxas, imensas, insanas.
- Te amo infinitamente - dizia um na grandiloquência da sua figurinha,
amando como nunca supôs possível.
- Te amo - dizia o outro na simplicidade de seu amor cego e cúmplice.
E desde sempre todas as lágrimas com sabor de volta, com sabor de vem,
com sabor de eu sou teu. Cada lágrima bebida com sabor de não
é possível, mas eu quero.
E cada dia de ausência forçada - os pais cismados, a vigilância
redobrada - brindada pela anoréxica agonia. Pela dor intensa nos dedos
que acionavam a tecla do celular, horas e horas de conversas difíceis,
duras ou eróticas. Pelas madrugadas em claro. Passeios pela dor imensa.
As famílias - de ambos os lados, para fazer justiça - tentaram
uma cisão naquele amor feito de cola e grude, de breu. Ameaças,
vigilância, inquisição. Tudo absolutamente inútil.
- Te amo infinitamente - dizia um, amparado nos braços do outro, arriscando
a própria pele, a sanidade e suas crenças.
- Te amo, meu amor - dizia o outro abrindo os braços e a vida, arriscando
a própria pele apenas, por que a sanidade e as crenças já
lhe haviam fugido, desde o primeiro dia.
Doavam-se, um ao outro, de tantas formas que não havia prisão
que chegasse, nem ameaça que valesse, nem impossibilidade que não
pudesse ser transposta. Ninguém no mundo nem pai, nem mãe, nem
irmão, nem amigo, mereceria fidelidade.
Não havia fidelidade senão um ao outro e ao que sentiam, ao que
estavam vivendo, àquele amor febril que começara no verão,
mas que adentrava o inverno, incinerando o tempo da intolerância.
Um amor constituído de improbabilidades: Não era pra começar,
começara. Não era pra durar e durava. Não era pra amar,
e se amavam. Não era pra se perder e perderam-se ambos nos caminhos tortuosos
do amor imenso.
Amor com sabor de perdição, amor capaz de perder para sempre:
- Nunca mais você será o mesmo! - disse a bruxa - Do futuro não
se sabe, mas essas marcas no seu corpo ficarão para sempre, marcadas
em sua alma. Esse amor você não vai esquecer nunca mais.
- E vai ter fim? - foi a pergunta ansiosa, de um , por que o outro não
botava fé nessas coisas.
Mas, a bruxa não soube o que dizer. As cartas não falam das coisas
que não podem ser.
Mas o outro não botava mesmo fé nessas coisas:
- Besteira isso, do que tiver de ser! - e apagou as palavras de todas as bruxas
com beijos com sabor de eu sou só teu.
E desde então bocas em fogo, mãos em febril agitação,
corpos colados, almas afins. Beijos com sabor de para sempre. Um amor construído
de marcas roxas - sinais evidentes de posse:
- Eu sou teu homem!
Amor com sabor de para sempre. Amor febril com sabor de perdição.
(15/02/07)