A Garganta da Serpente
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Fragmentos de Um breve Momento

(Orlando Miranda)

E lá estava eu... Procurando um pouco de sossego, sentado em um canto configuradamente feito para mim, esperando apenas que qualquer ideia venha ao meu encontro e me distraía um pouco. Depois desse dia tão comum em relação a tudo que tenho passado, tudo que me aparecer pela frente pode ser legal.

Estou nos primeiros goles da minha primeira cerveja, que talvez seja a única. Hoje não disponho de tanto tempo assim, logo devo estar no recanto do meu lar, olhando apenas para o meu mundo interior. Sem contar que também tenho que dar comida para o meu gato. E ao sair hoje pela manhã, esqueci de alimentar meu Beta azul.

A noite está um pouco fria, em algumas mesas vejo uns e outros tomando vinho quente, pena que isso me dá gases senão poderia até tomar uma garrafa.

Todos funcionários desse lugar fazem questão de me cumprimentar, sinto que as pessoas que estão próximas a mim se enchem de curiosidades por isso.

Tranquilo... tomando minha bebidinha, viajando no meu mundinho e sensível a tudo, vejo chegar uma figura que mexeu com minha atenção. Ela chegou acompanhada de mais duas, possivelmente amigas de trabalho, com ar soberano e nariz empinado feito dedo em riste. Logo soltou sua voz estridente e enjoada, falado em tom alto para suas amigas:

- Aqui eu não fico... Será que esse lugar não tem uma área pra pessoas um pouco mais inteligentes, ou que pelo menos não fumem ?

As amigas dela estampadamente envergonhadas se estatizaram com a prerrogativa. Olharam para os lados sutilmente sem olhar as pessoas. Apontaram outro lugar um pouco mais distante desse que se apresentavam agora em evidencia, e de bochechas rosadas. E a sorte das duas amigas, foi o acolhimento de um garçom faminto em atenção aos 5 por cento que lhe são de direito. Ele veio ao encontro e as direcionou ao lugar em que além de muita conversa, o que pré supõe gasto, deveriam pedir alguma refeição, pois, esse reservado era destinado a isso, pessoas que gastam mais bem mais.

Fato consumado, os olhares mais atentos que acompanharam a cena se fecharam. Confesso que achei a atitude da monologa indevido, pelo menos daquela forma. Mais fazer o quê, quem tem olhos tem que ver e quem têm ouvidos tem que escutar. Contudo, continuei tomando minha cerveja até me dar vontade de dar uma mijada . Levantei saí e fui mijar... O banheiro ao qual me dirigi ficava perto do tal reservado que as caras rosadas encontraram para acomodar a amiga não fumante. Enquanto caminhava passei pela enjoada, que me deu uma olhada intimadora e de entrega. Continuei... fui até o banheiro e mijei, lavei as mãos e o rosto como é de meu costume sequei com o lenço o rosto e sai. Passei novamente por perto da mesa em que as tais se encontravam, e para minha surpresa a não fumante me chamou. Educado como sou, fui de encontro só para ver o que ela queria, e ela disse:

- Senta aqui!... Vamos conversar um pouco!...

A voz dela era tão enjoada que chegou a me doer os tímpanos, a aversão a ela já estava automaticamente gravada na minha memória. Com sutileza sussurrei em seu ouvido:

- Não posso... além de ser fumante, tenho que ir embora dar comida para o meu gato e também para o meu peixe.

Ela ensaiou alguma frase que não saiu, olhou pra minha pessoa evidentemente sem acreditar no que estava ouvindo. Logo aquela pessoa que na entrada era ou aparentava ser dona da situação, cheia de mimos e arrogância não estava mais ali a minha frente. Seu corpo deu lugar a alguém com ar indeciso, seu olhar se fez acuado e seu gênio nesse momento se tornou impreciso. Dei uma olhada para as amigas dela na mesa, estavam dessa vez com as bochechas bem coradas, senti seus olhares sorrirem em pleno deleite. Acredito que tenham se sentido vingadas pela suposta vergonha que foram submetidas na entrada. Com toda certeza se ela não se apresentasse tão arrogante na hora da sua chegada, talvez a estória teria tomado um rumo diferente.

Voltei a minha mesa pra terminar o que havia começado, fiquei refletindo esse momento, pensando na vida e outras coisas nisso um bom tempo se passou.

O engraxate que sempre me pentelha, passou de mesa em mesa olhando como sempre para os pés dos habitantes das mesmas, insistindo, sendo às vezes inconveniente procurando se encaixar em conversas nas quais não é convidado. E logo hoje... que ele poderia vender seus préstimos a mim, ele não me ofereceu.

- Garçom!!! Garçom... por favor fecha a minha conta...

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