A Garganta da Serpente
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Numa Nave de Fantasias

(Orlando Nascimento)

À Mônica Jácome e todos os participantes da Oficina de Literatura Infantil do Centro de Cultura Luiz Freire - Olinda/PE 1999.

Entramos todos na nave - que nós mesmos construímos com sucata - seguindo as instruções de uma manual, que veio na bandeja de iogurte que a mãe de Moisés comprou.

A tampa do forno do fogão velho da mamãe, era a porta principal, que dava direto na sala do controle. Esperávamos a hora da partida, sentados nas cadeiras de fundo de palhinha e braços em formato de serpente feitas de epóxi pela avó do Marcio. Um relógio de parede, com um pêndulo quebrado, marcava o tempo certo para abrirmos a cuscuzeira para que os vapores acionassem os motores. Nos olhávamos, e no rosto de cada um o sim para partir e o medo da nave não subir.

Paulinha não conseguia atacar o cinto de segurança que estava apertado, então, tivemos que amarrá-la na cadeira com os cadarços dos sapatos de André e Cristiana.

O relógio indicou o momento e demos o sinal para Sérgio abrir a cuscuzeira. O vapor passou por um cano d'água e foi até o motor da máquina de lavar que começou a tremer, e olhos esbugalhados se via em todos os rostos. Zulmira gritou - Vai subir! - e logo depois, diz - Já está subindo!. Daniela fechou os olhos e Lúcia parecia tentar estrangular as serpentes dos braços da cadeira. Mário gritou, dizendo que estávamos saindo do chão. Pelas escotilhas, feitas com pratos de cozinha transparentes, riamos ao ver a cidade do alto. Nossas casas, os cachorros a latirem e "Seu Criança" o namorado da avó de Paulinha, a gritar e apontar com sua bengala para o alto: - Uma geladeira voadora! Olhem, lá vai ela, uma geladeira voando! Mas só as crianças, os idosos e os animais, podiam nos ver.

Perfuramos uma nuvem e era lindo, lindo, muito lindo, tudo lá em cima. E a terra cada vez mais distante, aquela bola azul se perdia entre as estrelas, muitas, muitas laterais de estrelas. Mais a frente, nosso ponto de chegada. Um planeta oval, mas redondo, às vezes. Azul, com manchas verdes e rosas. Cada vez mais perto, mais perto. Parecia ser de algodão, toda a sua superfície. Era dia, havia sol, mas não estava quente. Parecia um fim de tarde, havia árvores imensas e rios ou mares de águas claras.

E, lentamente, descíamos, dando voltas em torno de uma torre, que estava presa, à nave, por um cabo grosso, de cores diversas, que oscilavam em si mesmas. Pouso suave, a porta se abrindo e a luz do dia-tarde, invadindo tudo, nos banhando, saudando cada um. Com degraus em cores pastéis, uma escada se formou e, por ela, chegamos até o chão que não era, mas o que sentíamos embaixo dos pés era como se pisássemos em algodão - em um grande pacote de algodão de bolinhas. Corremos desenfreados e cada passo eram quilômetros percorridos.

O vento zunia nos ouvidos e cores prateadas surgiam do chão, como a indicar um caminho - vários caminhos prateados.

As árvores eram lindas, exalavam perfumes de seus troncos e folhas. Pássaros e outros bichos, não temiam nossa presença, e nem nós a deles.

Decidimos, em uma reunião rápida, cada um seguir por um caminho e nos encontrarmos depois, na nave.

No caminho que escolhi, mais a frente, se viu uma caverna de pedras prateadas, com som de água descendo, como em um rio entre pedras. Surgiu de repente, umas luzes flutuantes, em formas de bolinhas que brilhavam e brincavam entre si, entrelaçando-se. Na entrada da caverna, parei e as bolinhas flutuantes entraram e bailavam, como a me convidarem a ir junto. Era tudo mágico, nada de mal podia acontecer, e entrei correndo atrás delas. De repente percebi estar em um imenso salão onde um cheiro gostoso tomava tudo.

As bolinhas pararam em cima de uma pedra e, dela saiu um velhinho que sorriu diante do meu espanto. Mas não senti medo, era apenas a vontade de ver tantas coisas ao mesmo tempo e não saber o que fazer. Mas ele me disse qual era a primeira, com apenas um olhar me pediu para sentar e assim fiz. E, como num filme, me fez ver crianças, centenas e centenas, com adultos e idosos, brincando e correndo em campos, tomando banho em rios e lagos, comendo frutas que eram tiradas das árvores por outras pessoas e pássaros. Árvores outras que se deitavam no chão e serviam de mesas para abrigar comidas e bebidas. O sol que brilhava do outro lado da lua e as estrelas, também estavam lá, observando tudo. Eram todos iguais. Eram todos felizes, porque só existia uma lei: viver em harmonia com tudo e com todos.

O velhinho, ao fechar os olhos, me pediu para que contasse essa história aos outros e que os outros assim também o fizessem.

Saí correndo, sem olhar para trás, com medo que toda a magia daquele momento se desfizesse. Contei a todos ao chegar à nave, o que vi - através dos olhos do velhinho - que não quis me dizer seu nome e também, de alguma maneira, contou a todos uma história. Essas histórias, no final, diziam a mesma coisa.

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